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, 25 de abril de 2024.
01/12/1998
Volume 1 - Número 1
9. Critérios de estabilidade nas fraturas das colunas torácica e lombar

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Critérios de estabilidade nas fraturas

das colunas torácica e lombar

Criteria of stability in thoracic and lumbar spine fractures

Silvio Carlos Ferreira, Flávia Maria Poletto, Gustavo Ghedini, Carlos Alba
Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa da Misericórdia de Santos e Faculdade de Ciências Médicas de Santos

Ferreira SC, Poletto FM, Ghedini G, Alba C. Criteria of stability in thoracic and lumbar spine fractures. Acta Medica Misericordiæ 1(1):26-28, 1998

Resumo

Três pacientes com fraturas e instabilidade da coluna vertebral na região tóraco-lombar foram tratados cirurgicamente apresentando melhora do quadro clínico. Os critérios adotados para avaliação de instabilidade e indicação cirúrgica são discutidos.

Descritores: Fraturas da coluna vertebral. Fraturas da coluna vertebral.

Summary

Three patients presenting fractures and instability of the spine in the toraco-lumbar region were treated surgically showing improvement in their clinical picture. The criteria adopted for evaluation of the instability and indication for surgery are discussed.

Key-words: Spinal fractures. Spinal fractures.

INTRODUÇÃO

Com o aumento do índice de acidentes de trânsito e quedas de altura, temos visto elevado número de casos de lesão da coluna vertebral, estando presente algum déficit neurológico em grande porcentagem2. O diagnóstico é feito a partir da história, exame físico geral e neurológico, além de radiografias adequadas10. O prognóstico varia conforme a gravidade da lesão, do manuseio inicial com o paciente e do diagnóstico precoce9,10.

Atualmente, o Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Santos conta com condutas padronizadas para avaliação e tratamento, de urgência e definitivo, das lesões vertebrais. A maior angústia dos pacientes e familiares é quanto ao prognóstico e tipo de tratamento: cirúrgico ou conservador. No entanto, essa ansiedade está presente na quase totalidade dos médicos envolvidos, principalmente naqueles não habituados às rotinas do atendimento ao lesado vertebral ou medular3,6,9,10.

O presente trabalho demonstra os bons resultados obtidos através de nossa conduta, apoiada nos critérios de instabilidade da coluna vertebral.

MATERIAL E MÉTODOS

A coluna vertebral é dividida, segundo a Teoria de Denis, em três colunas: coluna anterior, média e posterior5. A coluna anterior compreende o intervalo entre o ligamento longitudinal anterior e o meio do corpo vertebral, já a coluna média situa-se a partir do meio do corpo vertebral até o ligamento longitudinal posterior e a coluna posterior compreende o canal vertebral com seu conteúdo e os elementos posteriores do arco vertebral5,10.

Nosso conceito de instabilidade da coluna vertebral está de acordo com White e Panjabi: Instabilidade espinhal é "a perda da capacidade da coluna de, sob cargas fisiológicas, manter as relações entre as vértebras de tal maneira que não haja nem lesão nem irritação da medula espinhal ou de suas raízes nervosas, e além disto não haja nenhum desenvolvimento de deformidade ou dor incapacitantes"1,9.10.

Consideramos como critérios de instabilidade das colunas torácica e lombar:

a) fraturas com lesão neurológica, excluindo-se aquelas lesões neurológicas secundárias a traumatismos penetrantes;
b) perda maior ou igual a 50% da altura do corpo vertebral;
c) angulação maior que 20º na junção toracolombar;
d) falha em pelo menos duas colunas de Denis;
e) presença de fragmento ósseo ou discal comprometendo mais de 50% do canal vertebral, mesmo sem compro-metimento neurológico;
f) corpo estranho intracanal.

Quando o paciente se enquadra em um ou mais critérios de instabilidade, faz-se a opção pelo tratamento cirúrgico.

APRESENTAÇÃO DOS CASOS

Caso 1. Paciente do sexo masculino, engenheiro, 26 anos, vítima de atropelamento. À admissão, apresentava exame neurológico normal. As radiografias demonstraram fratura explosão tipo A de L4 (v. fig 1A) com discreta compressão do saco dural, e perda de 60% da altura do corpo vertebral. Satisfez dois critérios de instabilidade: perda maior que 50% da altura do corpo vertebral e falha das três colunas de Denis. Tratado cirurgicamente por via posterior, com descompressão (laminectomia de L4 e hemilaminectomia de L3) e estabilização com parafusos pediculares L3-L5 (fig. 1B). Atualmente está com deambulação normal e indolor, perda parcial da flexão do tronco, limitada a 80º. No 6º mês após a cirurgia, retornou às suas atividades profissionais normais. Paciente do sexo masculino, engenheiro, 26 anos, vítima de atropelamento. À admissão, apresentava exame neurológico normal. As radiografias demonstraram fratura explosão tipo A de L4 (v. fig 1A) com discreta compressão do saco dural, e perda de 60% da altura do corpo vertebral. Satisfez dois critérios de instabilidade: perda maior que 50% da altura do corpo vertebral e falha das três colunas de Denis. Tratado cirurgicamente por via posterior, com descompressão (laminectomia de L4 e hemilaminectomia de L3) e estabilização com parafusos pediculares L3-L5 (fig. 1B). Atualmente está com deambulação normal e indolor, perda parcial da flexão do tronco, limitada a 80º. No 6º mês após a cirurgia, retornou às suas atividades profissionais normais.

Fig. 1 A : Radiografia em perfil de coluna lombar demonstrando perda importante
da altura do corpo vertebral de L4.

..........................

Fig. 1B: Radiografia em perfil no 4º mês PO demonstrando manutenção da altura do corpo vertebral de L4 através da utilização de parafusos transpediculares em L3 e L5. Este caso possui como melhor indicação para síntese os parafusos utilizados.

Caso 2. Paciente do sexo masculino, 27 anos, pedreiro, vítima de atropelamento com múltiplas fraturas de arcos costais, hemopneumotórax à esquerda, fratura-luxação T12-L1 tipo D (v. fig 2A). Apresentava perda de força motora em MMII, classificada como Frankel D. Satisfez os seguintes critérios de instabilidade: lesão neurológica, angulação maior que 20º e falha das três colunas de Denis. Tratado cirurgicamente por via posterior, com estabilização por retângulo de Hartshill e amarria "88" associado a artrodese e descompressão (fig. 2B). Apresentou melhora da força muscular no PO imediato e hiperestesia em face plantar dos pés, com remissão no 5º PO. Paciente do sexo masculino, 27 anos, pedreiro, vítima de atropelamento com múltiplas fraturas de arcos costais, hemopneumotórax à esquerda, fratura-luxação T12-L1 tipo D (v. fig 2A). Apresentava perda de força motora em MMII, classificada como Frankel D. Satisfez os seguintes critérios de instabilidade: lesão neurológica, angulação maior que 20º e falha das três colunas de Denis. Tratado cirurgicamente por via posterior, com estabilização por retângulo de Hartshill e amarria "88" associado a artrodese e descompressão (fig. 2B). Apresentou melhora da força muscular no PO imediato e hiperestesia em face plantar dos pés, com remissão no 5º PO.

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Fig. 2 A : Radiografia em ântero-posterior de transição toracolombar demonstrando fraturas de múltiplos arcos costais à direita, explosão de T12-L1, subluxação e encunhamento lateral. Observar arcos costais rudimentares em L1.

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Fig. 2B: Radiografia em ântero-posterior da transição toracolombar no 23º dia PO, fixada com retângulo de Hartshill e fios de Luque – 1.0. Observar material de enxerto disposto à direita de L1.

Caso 3. Paciente do sexo feminino, 21 anos, estudante, sofreu queda de 8 metros, com hiperestesia em face plantar dos pés e força muscular, grau 4, para extensão e flexão dos pés, classificada como Frankel D. Ao exame radiológico demonstrou-se fratura-explosão de L1 tipo B (fig. 3A), com importante encunhamento anterior. A tomografia demonstrou oclusão de 60% do canal vertebral. Este caso satisfez todos os critérios de instabilidade, exceto corpo estranho intracanal, sendo de indicação absoluta o tratamento operatório. Devido à necessidade de distração, optamos pela técnica de Harrington "2X2", cerclagem L2-L3 e artrodese, após descompressão
(fig. 3B).

Fig. 3A : Radiografia em perfil de transição toracolombar demonstrando fratura explosão tipo B com fragmento ósseo importante intracanal e cifose localizada de 30º.

..........................

Fig. 3B: Radiografia em perfil ortostático de coluna toracolombar demonstrando recuperação da altura do corpo vertebral de L1 após distração com instrumental de Harrington. Observar a utilização de órtese de Jewtt.

Evoluiu com recuperação do quadro neurológico, passando a Frankel E no 3º mês após a cirurgia.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Todos os tipos de instrumentação utilizados para fixação da coluna vertebral têm como referência o instrumental de Harrington, isto é, qualquer material utilizado é comparado com a eficácia daquele instrumental4,7,8. Desde 1997 o Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Santos vem contando com as condutas preconizadas pela Sociedade Brasileira de Patologias da Coluna Vertebral, onde se tem observado o atendimento inicial através do treinamento constante dos médicos assistentes e estagiários, o tratamento cirúrgico com todos materiais de implante disponíveis atualmente, e o acompanhamento pós-operatório em nosso ambulatório de coluna.

É necessário observar que as fraturas toracolombares não têm uma forma única de tratamento, porém sempre existe o melhor método, que está baseado em conceitos de estabilidade, biomecânicos e de prognóstico5,10. Em se tratando das fraturas na região toracolombar pode-se então, a partir desta experiência, indicar o tratamento cirúrgico para aqueles casos que satisfazem pelo menos um dos critérios de instabilidade por nós adotados. Em todos os casos por nós estudados, seguimos a orientação mais atual da reabsorção do fragmento ósseo intracanal, independente do seu volume, não sendo necessário a sua retirada, desde que não haja comprometimento neurológico após a estabilização vertebral7.

Finalmente, é necessário que todos os profissionais de saúde que atuam junto a pacientes com possíveis lesões toracolombares, particularmente os médicos, tenham domínio de suas principais evidências, dos sinais clínicos e como pesquisá-los, lembrando-se da piora do prognóstico em condutas inadequadas.

REFERÊNCIAS

  1. Aebi M: Operative Behandlung von Wirbelsfrakturen- dorsale oder ventrale instrumentation. Op Journal 1996; 12: 182-187.

  2. ASIA: American Spinal Injury Association: Versio 4Q GHC, 1993.

  3. Chow, GH, Nelson, BJ, Gebhard JS, et al: Functional outcome of thoracolumbar burst fracture managed with hiperextension casting or bracing and early mobilization. Spine 1996; 21:2170-2175.

  4. Defino LA, Fuentes AER, Rejaili WA: Tratamento das fraturas toracolombares pelo método de Harms. Rev Bras Ortop 1997; 32: 546-554.

  5. Denis F: The three column spine and its significance e classification of acute thoracolumbar spinal injuries. Spine 1993; 8: 818-831.

  6. Frankel HL, Hancock DO, Hyslop G, et al.: The value of postural reduction in the initial management of the closed injuries of the spine with paraplegia and tetraplegia. Paraplegia 1969; 7: 179-192.

  7. Há KI, Han SH, Chung M, et al.: A clinical study of the natural remodeling or burst fracture of the lumbar spine. Clin Orthop 1996; 323: 210-214.

  8. Harms J: Screw-threaded rod system in spinal fusion surgery. State of the art review. Spine 1992; 6: 541-577.

  9. Puertas EB, Chueire AC: Tratamento cirúrgico das fraturas da coluna torácica e lombar pelas técnicas de Luque e Harrington associadas com as amarrias de Luque. Rev Bras Ortop 1995; 30: 115-119.

  10. Zardo EA: Lesões da coluna toracolombar. In Hebert S, et al: Ortopedia e Traumatologia, 2ª edição, Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul 1998; 467-475.

 

OS AUTORES: S. C. Ferreira é médico assistente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Santos, membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, membro efetivo da Soc. Bras. de Patologias da Coluna Vertebral, pós-graduando em Ortopedia pela Santa Casa de São Paulo. F. M. Poletto é médica assistente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Santos, membro titular da SBOT, especialista em Cirurgia da Mão e Microcirurgia e pós-graduanda em Ortopedia pela Santa Casa de São Paulo. G. Ghedini é médico estagiário do Serviço de Ortopedia e Traumatologia. C. Alba é aluno da Faculdade de Ciências Médicas de Santos.

 

Endereço/address:

Dr. Silvio Carlos Ferreira
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Santa Casa da Misericórdia de Santos
Av. Dr. Claudio Luiz da Costa, 50
Santos, S.P., CEP 11075-900

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