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, 25 de abril de 2024.
01/12/1998
Volume 1 - Número 1
10. Complicação de um caso pós-abdominoplastia

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Complicação de um caso pós-abdominoplastia

A post-abdominoplasty complication case

Aparecido Pereira do Nascimento, Assaad Assaad Naim
Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa da Misericórdia de Santos.

Nascimento AP, Naim AA. A post-abdominoplasty complication case. Acta Medica Misericordiæ 1(1):33035, 1998

Resumo

Relatamos um caso de complicação pós-abdominoplastia, em que a paciente recebeu cuidados pós-operatórios imediatos de forma tecnicamente incorreta, e as conseqüências desse ato. Fazemos um levantamento bibliográfico, e discutimos as complicações descritas na literatura.

Descritores: Cirurgia plástica.Complicações pós-operatórias. Retalhos cirúrgicos.: Cirurgia plástica.Complicações pós-operatórias. Retalhos cirúrgicos.

Summary

The authors report a postabdominoplasty complication case, where the patient received the initial postoperative care in an incorrect form. The complications described in the literature are discussed.

Key-Words: Surgery, plastic. Postoperative complications. Surgical flaps.: Surgery, plastic. Postoperative complications. Surgical flaps.

INTRODUÇÃO

A pauta desse trabalho não se resume apenas na apresentação de um caso clínico e nem somente na explanação das causas de complicações em abdominoplastias, mas, acima de tudo, é um alerta ao jovem cirurgião, bem como ao profissional mais experiente. Um bom resultado não depende apenas do "furor operandi", e nem unicamente da destreza e habilidade do médico operador. O resultado final dá-se através da somatória positiva de vários fatores e da cooperação e competência de todas as equipe envolvidas no trato do paciente desde a hora da sua chegada, até o momento de sua alta. O caso clínico apresentado ilustra explicitamente que um mau pós-operatório pode sentenciar de forma drástica o resultado cirúrgico e causar complicações indesejáveis e desastrosas ao médico. Grazer2 e Galwin3 em 1977 estudaram 10490 pacientes submetidos a abdominoplastia , encontrando em 7,3% das pacientes infecção de parede, 5,4% deiscência de sutura, 1,1% trombose venosa profunda e em 0,8% embolia pulmonar. Já Pitanguy5 estudou 32 casos entre 1955 e 1960, encontrando coleção serosanguinolenta em 15,6%, deiscência parcial de sutura em 6,2%, infecção em 3,1%, cicatriz hipertrófica em 3,1% e cicatriz umbilical de diâmetro aumentado em 3,1%. Em análise de 637 casos no período de 1980 e 1994, Pitanguy encontrou coleção serosanguinolenta em 4,2%, deiscência parcial de sutura em 2,8%, cicatriz hipertrófica em 2,9%, cicatriz umbilical de diâmetro aumentado em 0,6% e gordura residual em 0,9%.

RELATO DO CASO

Paciente com 44 anos de idade, sexo feminino, casada. A paciente refere ter consultado o ginecologista em 1996 com queixa de dores abdominais e assaduras freqüentes, tendo sido diagnosticado aumento de volume abdominal com presença de cicatriz de cesárea e hérnia umbilical (fig. 1).

Procurou o cirurgião plástico e foi submetida a abdominoplastia, pela técnica de Pitanguy, associada a correção da hérnia umbilical, em 1996. Evoluiu com um pós-operatório onde houve falhas, sendo que a paciente não foi colocada em posição de Fowler mas, sim, em decúbito dorsal horizontal, e ainda foi-lhe colocada uma cinta elástica apertada, cabendo frisar que estas não foram as recomendações do cirurgião responsável. Não houve infecção.

Em decorrência destes fatos ocorreu o sofrimento do retalho, com necrose ao redor do umbigo e da ferida operatória (fig. 2).

Na ocasião, o cirurgião optou por debridamento cirúrgico e tratamento conservador com curativos. Os curativos foram feitos inicialmente utilizando-se pomada à base de fibrolisina. Essa conduta permaneceu por 45 dias quando, depois de se observar uma melhora aquém do esperado, decidiu-se trocar o método fazendo-se uso, agora, de curativos com açúcar.

 

Aguardou-se um prazo de 15 dias e, devido à presença de reação inflamatória ao redor da ferida, o cirurgião optou por nova conduta. Há de se reforçar que o fator que limitou o uso do açúcar foi tão somente o descrito, porque a granulação se mostrou deveras favorável nesse período. Como nova tática, decidiu o cirurgião lançar mão de uma pomada, preferencialmente dirigida ao uso ginecológico, mas que tinha em sua formulação substâncias cicatrizantes. O uso se deu por 10 dias, porém, as reações inflamatórias impossibilitaram a continuidade desse procedimento. Retomamos, portanto, o uso da fibrolisina que agora com um tecido de granulação melhor formado , apresentou bons resultados. Novamente persistimos no uso dessa pomada por 15 dias, quando foi feita a troca da pomada para neomicina. Usamos a neomicina por 2 semanas, quando a cicatriz já se apresentava formada, porém com aspecto inestético. A preocupação do cirurgião nessa fase era a de melhorar o aspecto da cicatriz. Passou-se a utilizar dexametasona.

O tratamento continuou por 3 meses numa tentativa de fazer a cicatriz ficar a mais estética possível . Ao todo passaram-se 6 meses aguardando a granulação e cicatrização do tecido Como coadjuvante desse tratamento, a paciente recebeu total apoio psicológico, sendo dedicada especial atenção ao seu caso, e em momento algum a paciente questionou a competência ou segurança do médico que a acompanhava (v. fig. 3).

Em 1997, sete meses após a primeira intervenção, foi submetida a nova cirurgia, onde foi realizada correção da cicatriz com neo-onfaloplastia. Mesmo após aplicar-se todos os cuidados pós-operatórios, houve deiscência da sutura, mais uma vez, sem infecção (v. fig. 4).

Como antecedentes, a paciente negava conhecimento de patologias de base bem como uso regular de medicação ou tabagismo. Submetida a cesariana há 12 anos e perineoplastia há 11 anos.

Hoje, a sua única queixa é não estar satisfeita com o resultado estético das cirurgias a que foi submetida.

DISCUSSÃO

Necrose

A necrose1,4,6 é decorrente na maior parte das vezes por ato iatrogênico, e advém de uma manipulação exagerada do retalho, seja por pinças, seja manualmente. A tensão exagerada do retalho, por excesso de ressecção, também pode levar à necrose. No paciente fumante podem ocorrer pequenas áreas de necrose nos bordos da ferida. A literatura pesquisada mostra que o mais comum são pequenas áreas isoladas de necrose na linha de sutura, sendo então o caso descrito, um caso de exceção e, portanto, muito temido pelos cirurgiões. A área que sofrerá necrose não pode ser delimitada logo de início e a conduta mais adequada é a espera de um período de tempo até a parada da evolução da mesma. É necessário, nesse período, um apoio psicológico intenso, seja por parte do próprio operador, seja através de um profissional da área.

Seroma

Essa é a complicação5 mais freqüentemente encontrada em pós-operatórios de abdominoplastias. Alguns autores atribuem o seu aparecimento a uma má hemostasia, ou a uma drenagem ineficiente da área dissecada, podendo ainda sobrevir em decorrência de compressão excessiva sobre o retalho ou ainda por falta de repouso do retalho sobre a aponeurose. Outro fator que parece contribuir para a formação do seroma é o tempo prolongado de cirurgia, bem como a manipulação exagerada do retalho, que levaria a um trauma do tecido adiposo com necrose do mesmo devido a uma vascularização precária e, em alguns casos, devido a associação da lipoaspiração à abdominoplastia. Por fim, a excessiva eletrocoagulação pode ser a causa de lipólise com aparecimento do seroma.

Outras complicações

Outras complicações decorrentes de abdominoplastia podem estar presentes 3,4, porém são menos freqüentes e coube a esses autores apenas citá-las: hematoma; infecção; deiscência de sutura; perfuração da cavidade abdominal com cânulas de lipoaspiração; plicatura exagerada da musculatura; recidiva de diástase muscular; linfedema do retalho inferior; abaulamento do epigástrio; elevação dos pelos pubianos; anestesia do retalho; irregularidade da superfície abdominal; flacidez residual; desvios laterais do umbigo; estenoses umbilicais; cicatriz umbilical não anatômica; cicatriz tortuosa e/ou assimétrica; extremidade da cicatriz voltada para baixo; cruzamento da prega umbilical com a cicatriz; alargamento das cicatrizes; tromboembolismo pulmonar; hipertrofia cicatricial.

CONCLUSÃO

Os autores concluem, após meses de investimento na sua paciente, que a melhor forma de se evitar complicações pós-operatórias, é um adequado preparo e orientação de toda a equipe médica e de enfermagem. O fim do ato cirúrgico responde apenas por parte do sucesso da cirurgia, sendo que o acompanhamento pós operatório encerra a parte restante. O apoio psicológico é fundamental em todas as etapas do tratamento, sendo que o profissional deve estar preparado para dar esse apoio, e, se assim não for, deve procurar a ajuda de outros profissionais. A paciência e a calma devem estar presente em todas as fases do tratamento , e o médico deve saber esperar pelo melhor momento de intervir, caso isso seja necessário.

As figuras deste trabalho são apresentadas na edição impressa da Acta Medica Misericordiæ.

REFERÊNCIAS

  1. Bozzola, AR & Psillakis, JM - Abdominoplasty: a new concept and classification for treatment. Plast Reconstr Surg 1988; 82: 982- 983.

  2. D’Assumpção EA: Três complicações comuns em abdominoplastias: infecção, deiscência e seroma. Anais do Simpósio Brasileiro de Abdominoplastias. Rio de Janeiro: Cidade - Editora Científica Ltda, 1982; pp. 77-82.

  3. Melega JM: Tromboembolismo como complicação de abdominoplastia : etiologia, profilaxia e tratamento. Anais do Simpósio Brasileiro de Abdominoplastias. Rio de Janeiro: Cidade - Editora Científica Ltda, 1982; pp 73-76.

  4. Melega JM, Zanini AS, Psillakis JM: Abdominoplastias. Cirurgia Plástica. Editora Medsi, 1992; pp 775- 790.

  5. Pitanguy I, Salgado F, Murakami R, et al: Abdominoplastia: classificação e técnica cirúrgicas. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica 1995; 85: 42-44.

  6. Sinder R: Cirurgia Plástica do Abdome.Rio de Janeiro: Ed. Ramil Sinder, 1979. pp 14-16, 37-39.

 

OS AUTORES: A. P. Nascimento, médico assistente do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da SCMS, é membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e secretário do DESC. A. A. Naim, médico estagiário do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da SCMS é membro aspirante a especialista da SBCP.

Endereço/address:

Dr. Aparecido Pereira do Nascimento
Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados
Santa Casa da Misericórdia de Santos
Av. Dr. Claudio Luiz da Costa, 50
Santos, SP, CEP 11075-900

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