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, 01 de maio de 2024.
01/06/2009
Volume 2 - Número 1
4. A Santa Casa da Misericordia do Rio de Janeiro

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A Santa Casa da Misericordia do Rio de Janeiro

The Santa Casa da Misericordia of Rio de Janeiro

Dahas Chade Zarur
Escrivão da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro

Zarur DC. The Santa Casa da Misericordia of Rio de Janeiro. Acta Medica Misericordiæ 2(1):17-20, 1999

Resumo

A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro foi fundada em 24 de março de 1582 pelo sacerdote espanhol José de Anchieta, para cuidar dos homens da frota de Diogo Flores Valdez. A assistência médico-social representou a concretização dos princípios do humanismo da Misericórdia, destacando-se os trabalhos antiescravistas do provedor José Clemente Pereira e do farmacêutico José do Patrocínio. Em 1812, Sua Alteza Real colocou em funcionamento na Santa Casa uma aula de medicina prática, iniciando, oficialmente, o ensino médico na instituição. Em 1829 foram lançados os alicerces da Academia Imperial de Medicina, atualmente Academia Nacional de Medicina. Em 1880 foi inaugurado um consultório homeopático, seguido dois anos depois pela criação da Sexta Enfermaria, sob a direção do Conselheiro Saturnino Soares de Meirelles, então presidente do Instituto Hahnemanniano do Brasil. Por mais de cem anos funcionou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no Casarão da Rua Santa Luzia, transferido para a Ilha do Fundão em 1969. A Misericórdia possui cinco hospitais, duas maternidades, num total de 1543 leitos, 142 ambulatórios, três educandários, repouso para idosos, treze cemitérios e um crematório.

Descritores: História da Medicina. Hospitais filantrópicos. Educação.

Summary

The Santa Casa da Misericórdia of Rio de Janeiro was founded on March 24, 1582, by the Spanish priest José de Anchieta, to care for the men of Diogo Flores Valdez’ fleet. This medical-social assistance represented the materialization of the principles of humanism of the Misericórdia, particularly outstanding in the work towards the abolishment of slavery of president José Clemente Pereira and of the pharmacist José do Patrocínio. In 1812, His Royal Highness established in the Santa Casa a class in Practical Medicine, beginning, officially, the medical teaching of the institution. The foundations of the Imperial Academy of Medicine, now the National Academy of Medicine, were established in 1829. A homeopathic office was opened in 1880, followed two years later by the creation of the Sixth Infirmary, under the direction of Councilman Saturnino Soares de Meirelles, president of the Brazilian Hahnemannian Institute. During more than one hundred years the Faculty of Medicine of Rio de Janeiro was housed in the Hospital of Santa Luzia Street, being transferred to the Fundão Island in 1969. The Misericórdia of Rio de Janeiro owns five hospitals and two maternities, totalling 1543 beds, 142 out-patient divisions, three schools, a rest home for the elderly, thirteen cemeteries and one crematory.

Key words: History of Medicine. Hospitals, voluntary. Education.

Princípios de solidariedade humana sempre impulsionaram os procedimentos da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, fundada em 24 de março de 1582, pelo sacerdote espanhol José de Anchieta.

Nascido em Tenerife, o santo padre teve sua formação intelectual em Coimbra, no Colégio da Companhia de Jesus, dividindo sempre seu tempo entre a oração e a filosofia. Em visita ao Colégio de Jesuítas no Rio de Janeiro, teve sua atenção voltada para a frota de Diogo Flores Valdez, que, atacada de peste, pedia guarida. Anchieta prontamente atendeu, fazendo erguer pequenas choupanas para cumprir um exercício de caridade. Aliás, dentre os compromissos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de 1516, inspiração da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, está inserida a caridade, percepção de misericórdia que inspirou o erguimento de hospitais, educandários para a infância desvalida, repouso para idosos e sepultamento de carentes e indigentes.

Padre José de Anchieta, que fundou a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro a 24 de março de 1852.

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Fachada da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.

 

A Santa Casa da Misericórdia é, portanto, ente colaborador das entidades públicas, na difícil questão de cuidar da pobreza, assunto transcendental, forte e de grande apelo. Esse pequeno esboço de hospital incrementou-se. Revelou um Anchieta médico, enfermeiro, boticário, botânico, ecologista, mestre enfim de quase todas as artes.

A história da Santa Casa do Rio de Janeiro é um pedaço da História do Brasil. Nesses quatro séculos e dezesseis anos de existência, prossegue atendendo à população do Grande Rio e de outros pontos da federação, independente de qualquer espírito político, religioso ou filosófico. Tem um monopólio do qual não abre mão, o monopólio de fazer o bem, com a ciência médica a seu serviço e o auxílio desvelado das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paula, originárias da França, integradas na Irmandade desde 1582, numa época em que graves epidemias de difícil trato invadiam o hospital da Santa Casa.

A assistência médico-social representou a grande concretização dos princípios do humanismo da Misericórdia. Nesse contexto, se inseriam os escravos, a inquietação do grande Provedor José Clemente Pereira (1787-1854). Um episódio traduz bem essa preocupação. A corveta portuguesa Flor de Luanda foi aprisionada por um navio inglês com 85 escravos destinados à venda. O Provedor candidatou-se a ficar com a "carga", condoído com a situação. Foi feito um contrato, através do qual Clemente Pereira se comprometia a alimentar, vestir e curar, às custas da Santa Casa da Misericórdia, os escravos, sem qualquer exigência de indenização futura.

A Santa Casa da Misericórdia teve dentre seus afilhados o filho de uma negra quitandeira de Campos, José do Patrocínio, gênio inspirador da extinção da escravatura no Brasil. Cultor dos livros, estudou e graduou-se em Farmácia, não deixando escapar a oportunidade que lhe abriu o abrigo na Irmandade.

No Vice-Reinado do Marquês do Lavradio (1727-1790), foi estabelecido um curso ministrado por médicos formados em Coimbra. Formaram a primeira Junta Protomedicato, que tinha a função de examinar todos aqueles que mostrassem conhecimento de boticário, dentista e enfermagem. Anos depois de instalada essa Junta, deu-se a fundação da primeira Faculdade Médico-Cirúrgica do Brasil, sob a inspiração do Marquês do Lavradio.

No final de 1812, com registro em ata no dia 6 de dezembro, Sua Alteza Real decidiu por em funcionamento na Santa Casa uma Aula de Medicina Prática, que marca o início, oficialmente, do ensino médico na Instituição, tornando-se o Hospital da Misericórdia a grande escola de prática dos estudantes de Medicina. Em 1836, a Santa Casa cedeu uma enfermaria para realização de autópsias e preleções clínicas.

No calor das salas de estudo, a 28 de maio de 1829, foram lançados os alicerces da Sociedade de Medicina, oficialmente inaugurada nesse mesmo ano. No Império, denominou-se Academia Imperial de Medicina; e na República passou a ostentar o nome atual: Academia Nacional de Medicina. As raízes da Homeopatia no Brasil remontam a 1880, quando foi inaugurado um consultório homeopático na Santa Casa. Dois anos depois, graças aos esforços do Conselheiro Saturnino Soares de Meirelles, filho de um dos fundadores da Academia Nacional de Medicina, Joaquim Cândido Soares Meirelles, foi criada a Sexta Enfermaria, sob a direção do competente Conselheiro Saturnino, então presidente do Instituto Hahnemanniano do Brasil.

A Santa Casa da Misericórdia concentrava todo o aparato do ensino médico então vigente. Foi responsável, em 1841, pela fundação do Hospital Pedro II, para tratamento de alienados. Pasteur descobriu a vacina contra a raiva em 1885. E dois anos após o Rio de Janeiro inaugurava, em prédio da Misericórdia, o Instituto Pasteur, transferido para o Governo Municipal em 1934.

 

Salão nobre, destinado a reuniões da Irmandade.

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Altar-mor da Capela de Nossa Senhora da Misericórdia, antiga Capela Imperial. Fechada durante 158 anos, foi reaberta em 14 de abril de 1997.

   

Por mais de cem anos funcionou, no Casarão da Rua Santa Luzia, 206, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, só devolvido o imóvel a 13 de fevereiro de 1969, quando passou a ocupar a Ilha do Fundão. Identidade de propósitos sempre houve, o que marca a coexistência das duas entidades.

A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro não é apenas uma vasta rede hospitalar, educacional, de assistência à infância e à velhice, com seus cinco hospitais dotados de 142 ambulatórios, duas maternidades, num total de 1543 leitos; uma área de ensino com três educandários, promovendo ensino do primeiro ao segundo grau, com creche, colônia de férias e escola profissionalizante; um repouso para idosos que é um verdadeiro centro de geriatria com 204 leitos; treze cemitérios e um crematório de última geração, com know-how importado. A manutenção do sistema hospitalar e educacional é de custo elevado. O déficit é coberto pela renda do setor imobiliário e parte do serviço funerário.

Figuras brasileiras da Ciência Médica e Jurídica ilustraram e ilustram a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, exemplo vivo de humanismo, lastreado na solidez de sua obra, que incorpora hoje um sem-número de dependências e especialidades, nessa jornada de mais de quatro séculos, sempre à busca de aperfeiçoamento.

Sua trajetória é marcada pela caridade, dedicação, responsabilidade e entrega. A Santa Casa é uma entidade que encerra o abrigo de todos os ideais, é pano de fundo do saber científico, tanto o da Ciência Médica como o conhecimento universal, aquele que deve impulsionar o homem a vencer barreiras, a galgar as alturas.

O AUTOR: DC Zarur, escrivão e diretor geral da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, é membro benemérito da Academia Brasileira de Medicina e membro da Associação Brasileira de Imprensa.

 

ENDEREÇO/ADDRESS:

Dr. Dahas C. Zarur, Escrivão
Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro
Rua Santa Luzia, 206 - Castelo
Rio de Janeiro, R. J., CEP 20020-020, Brasil

 

Congresso Mundial das Santas Casas da Misericórdia
World Congress of the Santas Casas da Misericórdia
Santa Casa da Misericórdia de Santos
Santos, Estado de São Paulo, Brasil
24, 25 e 26 de Novembro de 1999

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