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, 30 de abril de 2025.
11/02/2014
Neurociências
Avaliação do paciente comatoso

Avaliação do paciente comatoso

                                                   Henrique S. Ivamoto

FISIOPATOLOGIA

            Consciência é o estado de conhecimento de si mesmo e do meio ambiente.  É definida também como a capacidade de apreciar estímulos sensoriais e de conduzir o processo de pensar. 

 

            Há dois aspectos da consciência: (1) o estado da consciência, representado pela vigília, o estar desperto, o estado de alerta, o estar acordado, função que depende  do sistema reticular ativador ascendente, localizado no diencéfalo, mesencéfalo, e metade rostral da ponte;  e (2) o conteúdo da consciência, conjunto das atividades mentais e afetivas, incluindo  memória, ideação,  raciocínio, gnosia, percepções sensoriais, comandos motores, emoções, que depende essencialmente do córtex cerebral e de suas conexões subcorticais.

 

            Lesões do sistema reticular ativador ascendente provocam perdas no estado de consciência, levando ao coma, superficial ou profundo. Coma é o estado de inconsciência de que o paciente não desperta mesmo com a aplicação de estímulos externos, e decorre de lesão de alguma natureza no sistema reticular ativador ascendente. É a falência encefálica. Lesões de áreas do córtex cerebral provocam perdas correspondentes no conteúdo da consciência, que dependem das áreas lesadas. Lesões corticais difusas levam ao estado vegetativo.

 

            Numa analogia com um microcomputador doméstico, o sistema reticular ativador ascendente seria representado pela fonte de energia que, quando ligada, fornece energia e aciona a "CPU", representando o córtex cerebral, que enche a tela do monitor de informações. Quando a fonte de energia é desligada, o computador apaga e a tela fica vazia. Se a fonte for danificada, o computador não liga, embora sua memória contenha muitas informações que permanecem inacessíveis. Se a CPU do computador for danificado, ocorre perda de dados, com prejuízos em seu conteúdo.            

 

            O nível de consciência é avaliado por diversas escalas. A mais utilizada é a de Glasgow, descrita por Teasdale e Jennett.

 

 

DIAGNÓSTICO TOPOGRÁFICO NO COMA

            A sistemática é a descrita por Fred Plum e Jerome Posner. Procura-se localizar a lesão ou as lesões responsáveis pelo prejuízo na consciência, avaliando-se funções de estruturas neurológicas situadas nas proximidades do sistema reticular ativador ascendente. As lesões aqui referidas podem ser de qualquer natureza, como traumática, isquêmica, hemorrágica, neoplásica, farmacológica, bioquímica, térmica, elétrica, infecciosa. Os vocábulos lesão e lesões são utilizados  em seu sentido amplo, incluindo todas que possam prejudicar o funcionamento,  não se limitando aos danos anatômicos. Quatro parâmetros neurológicos são analisados: ritmo respiratório, pupilas, movimentos oculares e reações motoras.

 

 

I - RITMO RESPIRATÓRIO.

 

1. Respiração de Cheyne-Stokes

            Se uma pessoa normal fizer cinco inspirações e expirações profundas, a  queda  na pressão parcial de dióxido de carbono provocará nenhuma ou apenas uma breve apnéia, inferior a dez segundos. O cérebro provoca respiração rítmica, quando falta o estímulo bioquímico. A mesma manobra num paciente com lesão cerebral e conseqüente falta do estímulo cerebral para a respiração, resultará em apnéia superior a onze segundos, conhecida como apnéia pós-hiperventilação.

 

 

 

 

 

            Lesões cerebrais profundas que afetam a cápsula interna podem provocar, além da apnéia pós-hiperventilação, hiperreflexia  músculo-tendínea, hiperreatividade a estímulos emocionais (labilidade emocional) e faríngeos (paralisia pseudo-bulbar). Essa hiperreatividade associada à lesão piramidal ocorre também em relação à respiração, uma hiperreatividade respiratória. Uma pequena elevação na concentração sanguínea de dióxido de carbono provoca hiperventilação.  A hiperventilação faz baixar a concentração de dióxido de carbono. A falta de estímulos bioquímicos e também do cerebral  resulta em um período de apnéia, até que a concentração de dióxido de carbono se eleve, quando então ocorre nova fase de hiperventilação. Esse ritmo alternado  entre   apnéia e hiperventilação é conhecido como respiração de Cheyne-Stokes.

 

 

 

 

2. Hiperventilação central neurogênica

            Lesões da formação reticular situada na porção distal do mesencéfalo e nas porções proximal e média da ponte podem provocar hiperventilação profunda, rápida, constante. A pressão parcial de dióxido de carbono é inferior a 30 mm Hg, a de oxigênio superior a 70 mmHg, e o pH superior a 7.48, sugerindo não se tratar de hiperventilação em resposta a um estímulo bioquímico, e sim, central neurogênica. Um período de hipóxia pode provocar hiperventilação durando várias horas, mesmo após a correção do desequilíbrio bioquímico, porque os quimio-receptores respiratórios centrais demoram para se ajustar. Por isso, para se diagnosticar hiperventilação como sendo de causa central neurogênica, devemos repetir  a oximetria  arterial após cerca de 24 horas, que se revelará superior a 70 mm Hg.  Pode ocorrer edema pulmonar. Alguns autores acreditam que a hiperventilaçãso central neurogênica não tem valor no diagnóstico topográfico (Aquino e Samuels). Há relatos de que a hiperventilação observada nesses casos seja na realidade provocada por alterações pulmonares, o pulmão úmido.

 

 

 

 

3. Respiração apnêustica

            Lesões na região pontina média ou distal  podem provocar êsse rítmo que consiste em uma pausa de dois ou três segundos em inspiração profunda, formando um platô.           

 

 

 

4. Respiração atáxica

            Lesões incompletas dos centros respiratórios situados na formação reticular da região dorsomedial do bulbo provocam um ritmo respiratório irregular, com movimentos profundos ou superficiais ocorrendo aleatoriamente, intercalados com fases de apnéia.  A lesão completa resulta em apnéia.

 

 

 

5. Apnéia

            Lesões completas dos centros respiratórios levam à apneia, ausência de movimentos respiratórios. Lembrar que uma lesão reversível dos centros respiratórios, como a provocada por drogas, produz uma apnéia reversível. 

 

 

 

 

II -  PUPILAS (vide capítulo específico)

            O sistema nervoso simpático inerva a musculatura radial da iris, cuja contração provoca dilatação pupilar ou midríase. Por outro lado, o sistema nervoso parassimpático, através do núcleo de Edinger-Westphal localizado no complexo nuclear oculomotor (III) no mesencéfalo, inerva a musculatura constritora da íris (esfincter pupilar), cuja contração provoca constricção pupilar ou miose. Deve-se usar um estímulo luminoso potente. Em caso de dúvida sobre a existência ou não de reação fotomotora, observar com uma lente magnificadora.

 

1. Lesão hipotalâmica

            Miose, ptose palpebral e anidrose de todo o hemicorpo (síndrome de Horner), ipsilateralmente (do mesmo lado) à lesão, devido à lesão simpática.

 

 

 

 

2. Lesão mesencefálica proximal (núcleo III)

            Quase sempre compromete não só a inervação parassimpática (núcleo de Edinger-Westphal), como também a simpática, resultando em pupilas de diâmetro médio (4 ou 5 milímetros) e fixas (não reativas). As pupilas podem ser discretamente irregulares e assimétricas.

 

 

 

 

3. Lesão do teto mesencefálico

            Pupilas de diâmetro médio ou discretamente aumentado (5 ou 6 mm), fixas à luz, podendo apresentar reação à acomodação e à estimulação dolorosa (reflexo cilioespinhal). Pode haver flutuação espontânea do diâmetro (hippus).

 

 

 

4. Lesão do nervo oculomotor ou motor ocular comum (III)

            Pupila dilatada, fixa, acompanhada de paralisia dos músculos extrínsecos do olho inervados pelo nervo oculomotor (retos superior, medial e inferior, oblíquo inferior) e ptose palpebral (paralisia do músculo elevador da pálpebra). Quando a lesão do nervo oculomotor resulta de compressão progressiva, como em caso de hérnia do uncus do lobo temporal causado por um hematoma temporal, observa-se inicialmente a dilatação pupilar, seguida  de paralisia dos músculos extrínsecos do olho e do elevador da pálpebra. Por outro lado, quando a lesão do nervo oculomotor resulta de isquemia no território dos pequenos ramos perfurantes da vasa nervorum, como no diabete melito, as fibras pupilares podem permanecer preservadas, enquanto as dos músculos extrínsecos e do elevador da pálpebra são afetadas.                                   

 

           

 

 

 

5. Lesão pontina

            Pupilas contraídas (miose), reativas. A miose se deve à interrupção das fibras simpáticas, bloqueando os impulsos procedentes do hipotálamo que se dirigem aos neurônios das colunas laterais intermédias da medula dorsal proximal, de onde partem fibras que fazem sinapse com os neurônios do gânglio cervical superior que inervam a musculatura pupilo-dilatadora. Hemorragias pontinas hipertensivas extensas provocam coma associado a pupilas puntiformes.

 

 

 

III -  MOVIMENTOS OCULARES (vide capítulo específico)

Nos pacientes  comatosos, testam-se os reflexos óculo-cefálicos ("olhos de boneca") ou óculo-vestibulares (provas calóricas). Não testar reflexos oculocefálicos na presença de lesão da coluna cervical. Não testar as provas calóricas na presença de otorragia ou otoliquorréia.

 

            A presença de resposta completa dos dois olhos nos dois sentidos, direito e esquerdo, indica integridade das várias estruturas envolvidas no mecanismo:  canais semi-circulares (pelo menos um lado), nervos vestibulares (VIII) (pelo menos um lado), núcleos vestibulares (pelo menos um lado), fascículos longitudinais mediais, núcleos e nervos do abducente (VI)  e oculomotor (III) bilateralmente. A integridade da extensa área do tronco encefálico que abriga esses núcleos e conexões, sugere que a lesão responsável pelo estado comatoso afeta o sistema reticular ativador ascendente em nível diencefálico.

 

            Com lesão do nervo oculomotor (III) direito, o olho direito não faz movimento de adução. Com lesão do nervo abducente esquerdo (VI), o olho esquerdo não faz abdução. Havendo lesão mesencefálica proximal acometendo os núcleos oculomotores, não haverá movimento de adução dos olhos. Com lesão do fascículo longitudinal medial direito entre os núcleos oculomotor e abducente, não haverá movimento de adução do olho direito. Em um paciente em coma profundo, com lesão completa dos núcleos vestibulares, ou com lesão completa dos núcleos dos nervos oculares, não haverá resposta à estimulação calórica.

           

                                   IV -  RESPOSTAS MOTORAS.

 

1. Preensão tônica reflexa

            Preensão palmar ou plantar tônica unilateral indica lesão frontal contralateral. Preensão bilateral ocorre normalmente em infantes, e pode ocorrer em lesões frontais bilaterais, hipertensão intrcraniana.

 

 

 

 

2. Paratonia, ou "gegenhalten" (negativismo motor)

            Resistência plástica, constante, à movimentação passiva das extremidades, tronco, pesco;o. A resistência é constante em toda a extensão do movimento. Sua intensidade diminui se a movimentação passiva é efetuada lentamente, e aumenta quando a movimentação implementada é rápida. Observada em lesões cerebrais difusas, como encefalopatias metabólicas, atrofia cerebral difusa. Lesão frontal unilateral pode causar paratonia  contralateral.

 

 

 

 

 

 

 

3.  Hemiplegia e biplegia

            A lesão do trato piramidal (corticoespinhal) encefálico unilateral provoca hemiplegia contralateral. Lesão bilateral provoca plegia bilateral.

 

4. Rigidez de decorticação (Flexão patológica dos antebraços)

            Flexão dos dedos, punho, antebraço, adução do braço, extensão da coxa e perna, rotação interna do membro inferior, flexão do pé. Provocada por estímulos dolorosos. Indica lesão do trato córtico-espinhal no hemisfério cerebral contralateral.

 

 

 

 

 

 

5. Rigidez de descerebração (extensão patológica dos antebraços)

            Extensão do tronco, extensão, adução e pronação  do membro superior, extensão do membro inferior, flexão do pé. Lesão contralateral do mesencéfalo ou da ponte.

 

 

 

 

 

6. Flacidez difusa

A lesão completa dos núcleos vestibulares faz desaparecer a rigidez de decorticação e a de decerebração, que são reações posturais dependente desses núcleos.

 

                        DETERIORAÇÃO ROSTRO-CAUDAL.

            Uma lesão expansiva supratentorial (p. ex., um hematoma epidural), provoca compressão das estruturas cerebrais adjacentes, com isquemia, edema, perda de função das áreas afetadas. Com o crescimento da lesão a perda funcional estende-se progressivamente em direção caudal pelo diencéfalo, mesencéfalo, ponte até atingir o bulbo. Essa perda funcional descendente progressiva é conhecida como deterioração rostro-caudal.

 

Inicialmente, quando apenas o diencéfalo é comprimido, há rebaixamento do nível de consciência por compressão do sistema reticular ativador ascendente diencefálico, respiração de Cheyne-Stockes, reflexos oculocefálicos e oculovestibulares presentes e normais, paratonia e podem surgir reações de decorticação. Se o nervo oculomotor for comprimido, ocorre paralisia desse nervo com midríase, perda de adução ocular e ptose palpebral, do lado da lesão.

 

Segue-se comprometimento de funções mesencefálicas e pontinas proximais, com midríase bilateral, perda do reflexo pupilar fotomotor, perda da adução ocular aos testes oculocefálicos e oculovestibulares, hiperventilação central neurogênica e reações de descerebração.

 

Com o comprometimento distal da ponte, as reações de abdução dos olhos (VI) desaparecem e surge a respiração apnêustica.

 

Com a lesão bulbar, tem-se inicialmente a respiração atáxica, irregular, intercalada com períodos de apnéia. As reações de descerebração desaparecem. Com lesão no centro respiratório, ocorre apnéia.

 

COMA METABÓLICO

            Há algumas peculiaridades aos comas de etiologia metabólica. A disfunção provocada por distúrbios metabólicos ou farmacológicos é difusa, afetando todo o sistema nervoso simultaneamente. 

 

1.      Reflexo fotomotor pupilar preservado. Desaparece em coma metabólico profundo.

 

2.      Movimentos oculares errantes ("roving eye movements") sugerem etiologia metabólica para o coma. Por outro lado, desvio conjugado dos olhos para um lado e movimentos desconjugados dos olhos, indicam lesão localizada, estrutural.

 

3.      Ausência de sinais focais ou unilaterais (p.ex., hemiparesia, Babinski unilateral). Déficits focais indicam lesão localizada, estrutural. Sinais focais ou de lateralização transitórios, de curta duração, embora incomuns em encefalopatias metabólicas, podem ocorrer. Deficits fixos são estruturais.

 

4.      Ausência de deterioração rostro-caudal. O cérebro e as partes do tronco encefálico são afetados simultâneamente.

 

5.      Tremores irregulares, grosseiros, geralmente 8 a 10 por segundo, mais evidentes nas extremidades. (Ex., delirium tremens).

 

6.      Asterixis. O paciente tenta manter os membros superiores, mãos e dedos estendidos (em dorsiflexão) e ocorrem perdas súbitas do  tônus muscular, com movimentos  de "flapping" das mãos. Ex. insuficiência hepática.

 

7.      Mioclonia multifocal bilateral. Contrações musculares grosseiras em localizações variáveis. Geralmente afeta músculos da face e segmentos proximais dos membros.

 

Diferenciação entre comas de etiologia estrutural e comas metabólicos ou farmacológicos

Etiologia do estado comatoso

Coma estrutural (TCE, AVC, tumores)

Coma metabólico ou farmacológico

Hemiparesia

Sim

Não

Desvio conjugado dos olhos para um lado

Sim

Não

Lesão oculomotora (III) unilateral

Sim

Não

Outros sinais de lateralidade

Sim

Não

Sinais evidentes de comprometimento cerebral enquanto que as funções do tronco encefálico estão íntegras.

Sim

Não (*)

Deterioração rostro-caudal (piora das funções cerebrais, seguida das mesencefálicas, pontinas e bulbares).

Sim

Não (*)

Movimentos oculares errantes (“roving eye movements”)

Não

Sim

Tremores irregulares bilaterais 8-10 cps (ex. delirium tremens)

Não

Sim

Asterixis com “flapping”

Não

Sim

Mioclonia multifocal bilateral

Não

Sim

(*) Nos estados comatosos de etiologia metabólica ou farmacológica, o cérebro e as várias partes do tronco encefálico são uniformemente afetadas. Não há deterioração rostro-caudal.

 

 

ESTADO VEGETATIVO

            Pacientes comatosos com lesões cerebrais extensas, difusas, freqüentemente recuperam a função do sistema reticular ascendente após duas ou quatro semanas do evento lesivo inicial. Recuperam o estado de consciência, abrindo os olhos, e passam a apresentar períodos de vigília e de sono. Pode ser causado por hipóxia, isquemia, trauma, etc. Quando acordados, mantêm a consciência vazia, sem conteúdo, sem manifestações de atividades mentais ou afetivas, abre os olhos mas não interagem com o examinador. Olhar, vazio, vago, não direcionado para qualquer pessoa ou objeto. Não estabelecem contato visual, nem verbal. O estado vegetativo é também chamado coma vigil. Pode ser transitório, persistente, ou permanente. Pode também ser completo e, com a melhora, tornar-se incompleto, com algumas atividades mentais e afetivas.  

 

HERNIAÇÕES  ENCEFÁLICAS.

            A duramater que reveste o encéfalo é formada por dois folhetos, externo e interno. O folheto externo fica acolado à tábua óssea interna. Em certas posições o folheto interno da duramater forma pregas ou septos que dividem o espaço intracraniano em compartimentos.

 

            A tenda cerebelar, ou tentório, é uma prega transversal que suporta os lobos occipitais, interpondo-se entre os mesmos e os lobos cerebelares. Separa a fossa média da fossa posterior e divide o espaço intracraniano em dois compartimento,  supratentorial  e infratentorial. O espaço livre delimitado pela borda livre da tenda, situada medialmente e anteriormente a esta, é chamada incisura da tenda ou incisura tentorial.

 

            A foice cerebral, à qual se ajusta a fissura interhemisférica, é uma prega falciforme vertical mediana, que separa o hemisfério cerebral direito do esquerdo. Divide o espaço supratentorial em dois compartimentos, direito e esquerdo.

 

            A foice cerebelar e o diafragma selar são pregas menores.

 

            O aumento de volume dentro de um compartimento intracraniano, provocado pelo desenvolvimento de uma lesão expansiva (p.ex., hematoma, tumor, abscesso, infarto cerebral com edema), faz com que o segmento do encéfalo nele contido seja empurrado em direção aos compartimentos vizinhos. A saída de parte do encéfalo do compartimento em que normalmente fica contido constitui uma herniação. Esse processo provoca distorções e compressões de estruturas encefálica, nervos cranianos, e vasos, comprometendo as suas funções. A isquemia resultante agrava o quadro. O processo pode levar à morte.

 

1. Herniação do giro do cíngulo                 

            O giro do cíngulo é forçado sob a foice cerebral. Uma lesão expansiva situada no compartimento supratentorial direito empurra o hemisfério cerebral, comprimindo a sua face medial contra a foice cerebral, fazendo com que o giro do cíngulo passe para o lado oposto. A compressão de ramos da artéria cerebral anterior direita provoca isquemia e edema, o que adiciona maior volume e pressão tissular.

 

2. Herniação do uncus ou do giro do parahipocampo

            O uncus é a porção anterior curva e saliente do giro parahipocampal, situado na face medial do lobo temporal, adjacente ao pedúnculo cerebral (parte do mesencéfalo), ao nervo oculomotor (III), à artéria cerebral posterior e à borda livre da tenda do cerebelo. Uma lesão expansiva temporal direita faz com que o uncus seja deslocado medialmente, comprimindo o nervo oculomotor, o mesencéfalo, e a artéria cerebral posterior. A compressão do nervo oculomotor direito provoca dilatação pupilar, ptose palpebral, paresia do músculo reto medial e de outros músculos do olho direito. A compressão do mesencéfalo compromete o sistema reticular ativador ascendente, com redução do nível de consciência e lesa o trato piramidal que passa pelo pedúnculo cerebral, causando hemiparesia esquerda. A compressão da artéria cerebral posterior provoca lesão isquêmica do lobo occipital. Ocasionalmente, o deslocamento do mesencéfalo para o lado oposto pode comprimir o pedúnculo cerebral esquerdo contra o bordo do tentório, provocando hemiparesia direita.

 

3. Herniação central transtentorial

            Lesões expansivas frontais, occipitais e parietais, principalmente quando bilaterais ou situadas próximos ao plano mediano, fazem com que o diencéfalo seja deslocado no sentido crânio-caudal, em direção à incisura tentorial. Quando o diencéfalo é comprimido, há redução do nível de consciência por compressão do sistema reticular ativador ascendente diencefálico, respiração de Cheyne-Stockes, paratonia. Com o avanço do comprometimento cerebral profundo .podem surgir  reações de decorticação. As pupilas continuam simétricas, reativas, geralmente pequenas, e os reflexos oculovestibulares normais. 

Com a expansão da lesão, segue-se comprometimento de funções mesencefálicas e pontinas proximais, com prejuízo do reflexo pupilar fotomotor, perda da adução ocular ao teste calórico, hiperventilação central neurogênica e reações de descerebração.

Com o comprometimento distal da ponte, as reações de abdução dos olhos desaparecem e pode surgir a respiração apnêustica.

Com a lesão bulbar, inicialmente a respiração é atáxica, e, com o avanço da lesão, ocorre apnéia. As reações de descerebração desaparecem com as lesões dos núcleos vestibulares bulbares.

 

4. Herniações combinadas: central-uncal, cíngulo-uncal, cíngulo-central.

 

DIAGNÓSTICO FINAL EM 386 PACIENTES INTERNADOS COM DIAGNÓSTICO DE COMA DE ETIOLOGIA DESCONHECIDA

(Fred Plum & Jerome B. Posner)

 

I. Lesões supratentoriais (18%)

            Hematoma intracerebral                     8%

            Hematoma subdural                           5%

            Hematoma epidural                           0,5%

            Infarto cerebral                                  1%

            Tumor cerebral                                   1%

            Abscesso cerebral                              1%

 

II. Lesões subtentoriais (13%)

            Infarto de tronco encefálico              10%

            Hemorragia de tronco encefálico       2%

            Hemorragia cerebelar                         1%

            Tumor de tronco encefálico               0,5%

            Abscesso cerebelar                             0,5%

 

III. Distúrbios metabólicos e cerebrais difusos ( 68%)

            Toxinas exógenas                               25%

            Toxinas endógenas e deficiências      21%    

Hemorragia subaracnoidea                3%

            Anóxia ou isquemia                           13%

            Meningites e encefalites                    13%

            Hemorragia subaracnoidea                3%

            Concussão e estados pos-ictus           2%

 

III. Distúrbios psiquiátricos (1%)

 

 

                        CUIDADOS GERAIS DO PACIENTE COMATOSO

1.      Remover dentaduras, pontes dentárias, próteses móveis.

 

2.      Aspirar secreções das vias aéreas. Todo cuidado para evitar que o paciente aspire secreções ou vômito.

 

3.      Se o paciente não estiver entubado ou traqueostomizado, decúbito lateral com a face levemente voltada para baixo para facilitar a drenagem de secreções, e leve extensão do pescoço para retificar as vias aéreas e evitar que a língua obstrua a faringe. Oxigenação, se necessário. “Oropharyngeal airway” - “chupeta”.

 

4.      Se necessário, entubação orotraqueal. Se o paciente apresenta também traumatismo de coluna vertebral cervical, entubação nasotraqueal.  Ventilação assistida ou controlada.

 

5.      Gasometria arterial freqüente. É de importância fundamental assegurar a ventilação do paciente comatoso, mantendo adequada oxigenação e evitando retenção de dióxido de carbono.

 

6.      Na vigência de hipertensão intracraniana, elevar a cabeceira do leito.

 

7.      Mudar decúbito de hora em hora para evitar a formação de úlceras de decúbito.

 

8.      Cateterização venosa, para administração de medicamentos e fluidos.

 

9.      Nutrição parenteral. Com a estabilização do quadro e retorno dos movimentos peristálticos (borborigmo), iniciar nutrição enteral.

 

10.  Trocar fraldas sempre que necessário, para manter a pele limpa e seca, livre de urina ou fezes. Coletor externo de urina. Se possível, evitar cateterização da bexiga.

 

11.  Proteger os olhos, evitando o ressecamento das córneas. Manter as pálpebras cerradas, se necessário com auxílio de pequenos pedaços de esparadrapo. Se necessário, lubrificante ocular.

 

12.  Cuidados específicos dependerão da etiologia do estado comatoso.

 

ESCALA DE COMA DE GLASGOW

            É a escala de coma mais comumente utilizada. Foi introduzida por Teasdale e Jennett, neurocirurgiões de Glasgow, Escócia, que atendiam pacientes acidentados da região. Dedicavam-se também ao estudo de metabolismo cerebral, coma, e monitorização de pressão intracraniana.

 

Escala de Coma de Glasgow (Teasdale & Jennett, 1974)

Parâmetro

Melhor resposta

Escore

 

Abertura ocular

Espontânea

4

A estímulos verbais

3

A estímulos dolorosos

2

Ausente

1

 

Resposta verbal

Orientada

5

Confusa

4

Inapropriada

3

Incompreensível

2

Ausente

1

 

 

Resposta motora

Obedece comandos

6

Localiza estímulo doloroso

5

Foge do estímulo doloroso

4

Flexão patológica (decorticação)

3

Extensão patológica (descerebração)

2

Ausente

1

Escore total

 

3 a 15

 

Os autores escolheram os três parâmetros por considerar serem de fácil utilização por médicos e paramédicos: abertura ocular (4 possibilidades, variando de 4 a 1), resposta verbal (5 possibilidades, variando de 5 a 1) e resposta motora (6 possibilidades, variando de 6 a 1). Em relação a cada parâmetro, a melhor resposta é sempre a considerada para efeito de pontuação. O valor obtido com a soma das três melhores respostas corresponde ao escore total, que pode variar entre 15 (plenamente consciente) e 3 (coma profundo).

 

            A falta de colaboração do paciente e a presença de afasia levam a pontuações indevidamente baixas. Mesmo que o paciente esteja plenamente consciente, uma afasia motora completa, p. ex. devida a uma sequela de AVC antigo, leva à ausência de respostas verbais (1 ponto). Nesse exemplo, a escala dá uma noção indevidamente baixa do estado de consciência mesmo. A presença de um tubo no traquéia, situação comum em pacientes comatosos, impossibilita a avaliação do parâmetro correspondente à resposta verbal, que fica prejudicada. Há varias escalas para avaliação de coma, nenhuma perfeita.

 

 

ESCALA DE HUNT & HESS PARA HEMORRAGIA SUBARACNOIDEA

Essa escala não é usada para avaliar nível de consciência, mas o estado do paciente com hemorragia subaracnoidea espontânea, provocada por rotura de aneurisma ou malformação arteriovenosa cerebral.

 

Escala de Hunt & Hess para Hemorragia Subaracnoidea

Categoria

Estado neurológico

0

Aneurisma ou MAV não rota.

I

Assintomático ou cefaleia discreta e mínima rigidez nucal.

II

Cefaléia moderada ou severa, rigidez nucal, podendo apresentar paralisia de nervo craniano, mas sem outros déficits neurológicos.

III

Sonolência, confusão ou discreto déficit focal.

IV

Estupor, moderada ou severa hemiparesia, podendo apresentar rigidez de descerebração incipiente e distúrbios vegetativos.

V

Coma profundo, rigidez de descerebração, aspecto moribundo.

Obs.

Cada uma das seguintes condições coloca o caso na próxima categoria de gravidade: vasoespasmo severo, hipertensão arterial, diabete, aterosclerose severa, doença pulmonar crônica e outras doenças sistêmicas importantes.

 

   

            REFERÊNCIAS

1.      Aquino TA, Samuels MA: Coma and other alterations in consciousness, in Samuels MA, Manual of Neurologic Therapeutics, 5th ed., 1995, Little, Brown and Company, Boston, New York, Toronto, London.

2.      Brain L, Walton JN:  Brain's Diseases of the Nervous System, 7th ed., London , Oxford University Press, 1969.

3.      Cogan D: Neurology of the Ocular Muscles. Boston.

4.      Hunt WE, Hess RM: J. Neurosurg, 28:14-20, 1968.

5.      Ivamoto H.S., Numoto M., Donaghy R.M.P.:Surgical decompression for cerebral and cerebellar infarcts. Stroke 5: 365-370, 1974.

6.    Ivamoto H.S., Numoto M., Donaghy R.M.P.: Monitoring of epidural pressure as a guide during decompressive surgery. Annual Meeting of the American Association of Neurological Surgeon, April, 1974, Saint Louis, Missouri, U.S.A..

7.    Ivamoto H.S.: The clinical diagnosis of coma. University of Vermont College of Medicine, January 26, 1976, Vermont, U.S.A..

8.    Ivamoto H.S.: Evaluation of the unconscious patient. Fanny Allen Hospital, November 13, 1975, Winooski, Vermont, U.S.A..

9.    Ivamoto H.S.: Sleep physiology and Physiopathology, Neurosurgery Conference, University of Vermont College of Medicine, April 19, 1976, Vermont, U.S.A..

10.  Plum F, Posner JB: Diagnosis of  Stupor and Coma,  2nd ed., F.A.Davis Company, Philadelphia, 1966.

11.  Teasdale G, Jennett B: Lancet 81:84, 1974.

 

 

 



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