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, 01 de maio de 2024.
01/06/1999
Volume 2 - Número 1
8. Placa ponte em fraturas cominutivas do fêmur

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Placa ponte em fraturas cominutivas do fêmur

Briding plate in comminuted fractures of the femur

Mauricio Wanderley Moral Sgarbi, Gustavo Ghedini, Eucimar Zamoner

Serviço de Ortopedia e Traumatologia “Rezende Puech” da Santa Casa da Misericórdia de Santos

Sgarbi MWM, Ghedini G, Zamoner E. Briding plate in comminuted fractures of the femur. Acta Medica Misericordiæ 2(1): 30-33, 1999

Resumo:

Introdução: A osteossíntese biológica com placa em ponte, descrita em 1987, veio contribuir com o arsenal terapêutico das fraturas cominutivas do fêmur. A não desvitalização do foco de fratura provoca a formação de calo ósseo exuberante e consolidação precoce. Material e método: No período compreendido entre novembro de 1995 e janeiro de 1998, 21 cirurgias foram realizadas em 20 pacientes com fraturas cominutivas do fêmur, com o sistema da placa ponte dentro do princípio de síntese biológica. Eram 17 do sexo masculino e 3 do feminino, com idade variando entre 13 e 69 anos, com média de 28,7 anos. Tivemos 14 fraturas diafisárias, 4 supracondileanas e 3 subtrocantéricas. O seguimento variou de 4 a 28 meses, com média de 16,1 meses. Todos foram liberados para apoio parcial com muletas, em média, no terceiro mês e total no quinto mês pós-operatório. Resultados : A consolidação ocorreu sem complicações em 15 casos. Nos restantes, tivemos uma consolidação viciosa em rotação interna, duas quebras da placa e três encurtamentos. Não houve infecção pós-operatória.
Descritores: Fraturas do fêmur. Fixação interna de fraturas.

Summary

Introduction : Biological fixation with bridging plates, described in 1987, has contributed with the treatment of comminuted fractures of the femur. The non-devitalization of the fracture point provokes an exuberant callus formation and early bone healing. Material and methods : From November of 1995 to January of 1998 , 21 surgeries were performed on 20 patients with comminuted femoral fractures using the bridging plate system within the principles of biological fixation. There were 17 male and 3 female patients, with ages varying between 13 and 69 years, with an average of 28,7. We studied 14 shaft, 4 supracondylar and 3 subtrochanteric fractures. The follow-up period varied from 4 to 28 months, with an average of 16,1. All patients were given permission for partial weight bearing on crutches after the third month and total weight bearing on the fifth month post-surgery. Results: Bone healing occured without complications in 15 cases. We had 1 healing in internal rotation , 2 broken plates and 3 cases of shortening of the limb. There was no post-operative infection.
Key Words: Femur fractures. Internal fixation of fractures.

INTRODUÇÃO

O tratamento das complexas fraturas cominutivas do fêmur sempre representou um desafio ao cirurgião ortopedista. As complicações decorrentes dessas fraturas, tais como retardo de consolidação, pseudoartorse e a desastrosa infecção pós-operatória, obrigaram os cirurgiões a desenvolverem métodos para evitá-las 1, 2, 3, 6, 8, 9,11,13,16,17.

O princípio biológico de fixação das fraturas com placa em ponte significa a diminuição da desvitalização tecidual10. Não se visualiza o foco de fratura e, consequentemente, não o agredimos. É respeitada a resposta celular necessária à reparação da fratura. Como conseqüência da não fixação dos fragmentos cominutivos à placa, não se trata de uma síntese absolutamente rígida. É a chamada "osteossíntese elástica", que permite micro-movimentos no foco da fratura. Desde que estes não excedam o valor do alongamento que o tecido de regeneração resista antes de romper-se, ocorre estímulo para a formação de calo ósseo 4,10,12.

MATERIAL E MÉTODO

No período entre novembro de 1995 e janeiro de 1998, 21 cirurgias foram realizadas em 20 pacientes por diferentes equipes em nosso serviço para o tratamento de fraturas cominutivas de fêmur, incluindo diafisárias, subtrocantéricas e supracondileanas. Respectivamente foram utilizadas placas de auto compressão dinâmica, placa parafuso para o quadril e placa parafuso condilar, sempre dentro do princípio da síntese biológica com placa em ponte9. Eram dezessete pacientes do sexo masculino e três do feminino, com idade variando entre 13 e 69 anos, com média de 28,7 anos. Em relação ao lado afetado, doze foram do lado esquerdo e nove do direito. O período decorrido entre o trauma e a cirurgia variou de 4 a 60 dias, com média de 13,2 dias.

Do total, quatorze fraturas foram diafisárias, sendo classificadas de acordo com Winquist18, sendo seis do tipo III, seis do tipo IV e dois do tipo V. Quatro foram supracondileanas e classificadas, segundo a AO5, associação para o estudo da fixação interna, uma como tipo C2 e três como tipo A3. As fraturas subtrocantéricas foram classificadas5 como Seinsheimer tipo 4.

Quanto ao mecanismo de trauma, quinze foram vítimas de acidente de trânsito, dois de queda de altura e três de ferimento por arma de fogo. Foram dezesseis fraturas fechadas e cinco expostas grau II da classificação de Anderson & Gustilo15, tratados em caráter de emergência com irrigação e desbridamento, associando-se a aplicação de tração trans-esquelética na tuberosidade anterior da tíbia, recebendo o tratamento cirúrgico definitivo quando a ferida estava cicatrizada e sem sinais de infecção.

Como a grande maioria foi vítima de traumas de alta energia, oito apresentavam lesões associadas, como traumatismo crânio-encefálico em um caso, fratura de bacia em dois casos, fratura exposta de perna em dois casos, fratura de espinha da tíbia em um caso e fratura associada de colo de fêmur em dois casos.

Todos os pacientes foram operados em mesa ortopédica, com exceção de dois, operados em mesa cirúrgica comum. Fluoroscopia foi utilizada em todos os casos.

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Fratura subtrocanteriana cominutiva. Pós-operatório imediato.

Incisão única de pele, subcutâneo e fáscia, foi utilizada em 16 casos, porém sem abertura do plano muscular e subjacente foco de fratura, que não deve ser visualizado. Nos 5 restantes, duas pequenas incisões laterais à fratura foram utilizadas, o que proporciona melhor resultado estético. Após a dissecção até o plano ósseo distal e proximal à fratura, as placas foram colocadas no sentido de distal para proximal, ou contrário, conforme a facilidade da passagem sob o plano muscular que permanece sempre recobrindo o foco de cominuição. Foram fixadas provisoriamente com pinças e verificou-se a redução sob intensificação de imagens. Para fixação na região diafisária foram utilizados, em média, sete parafusos corticais. Não foi utilizado enxerto ósseo. Dreno de aspiração foi utilizado por 48 horas após todas as cirurgias. Os pacientes foram seguidos por período que variou de 4 a 28 meses, com média de 16,1 meses. A reavaliação baseou-se no tempo de consolidação das fraturas, na presença de complicações e no grau de mobilidade das articulações do membro afetado.

Fratura subtrocanteriana
consolidada, 17 meses após a
cirurgia.

 

RESULTADOS

Os movimentos passivos e ativos das articulações do membro inferior afetado, foram iniciados entre a primeira e segunda semana pós-operatória. Dois pacientes com fraturas expostas de perna ipsilateral, tiveram o início dos movimentos retardados por dois meses. Todos os pacientes foram liberados para apoio parcial com muletas em média no terceiro mês, período este em que apresentavam os primeiros sinais de consolidação ao exame radiográfico. O apoio foi total, em média, no quinto mês, quando apresentavam sinais clínicos e radiológicos de consolidação.

Na reavaliação dos pacientes, observou-se que quinze evoluíram sem complicações. O grau de mobilidade do quadril e tornozelo no membro inferior permaneceu inalterado. A flexão do joelho em quatro pacientes alcançou o máximo de 90°, sendo normal nos restantes. Não ocorreu infecção. Tivemos uma consolidação viciosa em rotação interna. Houve quebra da placa em dois pacientes. Encurtamento ocorreu em três pacientes, nas extensões de 2,5 cm, 3,6 cm e 5 cm.

DISCUSSÃO

A ocorrência de fraturas resultantes de traumas de alta energia, no caso, do fêmur, vem aumentando como resultado da vida moderna. Acidentes com veículos automotores e ferimentos de arma de fogo, estão entre as principais etiologias2,4,17. Não há dúvida que as hastes intramedulares representam o método preferido e mais difundido para o tratamento destas fraturas, porém também apresentando limitações7,10,17. Fraturas cominutivas necessitam de travamento proximal, distal ou ambos, caracterizando a haste intramedular bloqueada. Poucos profissionais em nosso meio3,7,10,16,17 estão habilitados a realizar este método, pois o difícil acesso ao material, uso de mesa ortopédica especial, além de um intensificador de imagens, são fatores limitantes. Os tratamentos com outros métodos mais popularizados, como a placa de compressão dinâmica10, hastes intramedulares tipo Ender11 e haste de Küntscher associada à cercalgem1,10,15, também estão associados com complicações.

Em 1987 foi descrita a placa ponte, utilizando o sistema de síntese biológica, onde não há abertura de planos musculares profundos sobre o foco de fratura9. Devido à facilidade de execução, este sistema encorajou a publicação de diversos artigos nacionais onde sempre é frisada a não utilização de instrumental especial e a possibilidade de não necessitar de intensificador de imagens, além das inúmeras vantagens biológicas do método3,6,8,10,14,17.

Alguns dados da nossa casuística que consideramos importantes serão descritos a seguir. Nos casos de fratura exposta, o procedimento de osteossíntese foi realizado em média no décimo dia, não havendo diferenças significativas nos resultados quando comparados ao grupo das fraturas fechadas. Apesar de concordarmos com a possibilidade de uso de mesa cirúrgica comum6,14, foram utilizadas somente em dois casos, de forma aleatória. O uso de mesa ortopédica pareceu-nos um método mais seguro, capaz de evitar desvios rotacionais e encurtamentos. A incisão única de pele ou em duas pequenas incisões teve seu mérito apenas no caráter estético.

A flexão precoce do joelho é conseguida pelo menor envolvimento do compartimento muscular lateral da coxa quando comparada à fixação tradicional com placas abrindo o foco de fratura. Há diminuição da dor no pós-operatório e menor aderência muscular, estimulando ainda mais o início da movimentação. Tivemos quatro pacientes com flexão máxima do joelho de 90°, sendo que desses, dois estavam no sexto mês pós-operatório e em acompanhamento fisioterápico, um teve fratura prévia do quadril há três anos e outro, uma fratura supracondileana A3.

O descuido da posição do membro durante o trans-operatório em mesa ortopédica, foi a causa da fixação da fratura em rotação interna em um caso. A correção foi obtida por osteotomia derrotatória, seis meses após. Quanto aos dois pacientes que tiveram a quebra da placa, a causa foi o apoio precoce, pois não respeitaram a restrição de apoio ao membro operado.

CONCLUSÃO

A placa ponte é uma ótima opção para o tratamento das fraturas de fêmur com cominuição consideradas graves e de difícil manuseio. Estamos convencidos de que se trata de um excelente método dentro das condições comuns à maioria dos hospitais do nosso país. Por vários momentos assustamo-nos com as radiografias pós-operatórias, no que diz respeito à redução dos fragmentos, mas fomos surpreendidos ao fim do tratamento com a excelente evolução, satisfação do paciente, além do calo ósseo exuberante. Lembramos que cuidados devem ser tomados, como o início do apoio e especial atenção deve ser dada para a rotação do membro e manutenção do comprimento. Hoje temos a certeza de sua eficácia e a usamos rotineiramente nessas fraturas.

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OS AUTORES: MWM Sgarbi e G Ghedini são médicos assistentes e E Zamoner é ex-estagiário do Serviço. Membros titulares da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia.

ENDEREÇO/ADDRESS:

Dr. Mauricio Wanderley Moral Sgarbi
Rua Mário Carpenter, 16 apto 91 Santos, S.P., BRASIL - CEP11055-260

familia.sgarbi@bsnet.com.br

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