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, 30 de abril de 2024.
01/06/1999
Volume 2 - Número 1
10. Síndrome do roubo da subclávia: Relato de caso

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Síndrome do roubo da subclávia: Relato de caso

Subclavian steal syndrome: Case Report

 

Carlos Henrique Alvarenga Bernardes, Lúcia Ande Santos, Luciana Paula Camilotti
Serviço de Cirurgia Vascular da Santa Casa da Misericórdia de Santos e Disciplina de Cirurgia Vascular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos Projetos Comunidade Solidária, Universidade Solidária e Alfabetização Solidária e Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas de Santos da Unilus

Bernardes CHA, Santos LA, Camilotti LP. Subclavian steal syndrome: Case Report. Acta Medica Misericordiæ 2(1):38-41, 1999

Resumo

A síndrome do roubo da subclávia ocorre quando há reversão do fluxo da artéria vertebral ipsilateral, distalmente a uma estenose, ou oclusão da artéria subclávia proximal, ou, mais raramente, da artéria inominada. Este artigo relata o caso de paciente de 50 anos de idade do sexo feminino que foi submetida a uma propedêutica adequada. O diagnóstico precoce desta patologia incomum pode prevenir futuras complicações. A paciente foi submetida a cirurgia após o ecodoppler colorido ter revelado uma obstrução na artéria subclávia esquerda e uma estenose da artéria carótida externa. Estes dados foram confirmados pela arteriografia digital. Os autores esperam aumentar o conhecimento a respeito da síndrome do roubo da subclávia.
Unitermos: Artéria subclávia; arteriosclerose; trombose.

Summary

The subclavian steal syndrome occurs when there is reversal of flow in the ipsilateral vertebral artery distal to a stenosis or oclusion of the proximal subclavian artery, or, more rarely, of the innominate artery. This article relates the case of a 50-year-old female patient who was submitted to adequate diagnostic procedures. The timely diagnosis of this uncommom pathological condition may prevent future complications. The patient was submitted to surgery after the color echo-doppler exam diagnosed an obstrution of the left subclavian artery and a stenosis of the external carotid artery. This data was confirmed by digital arteriography. The authors hope to improve the knowledge of this syndrome.
Keywords: Subclavian artery; arteriosclerosis; thrombosis.

INTRODUÇÃO

A síndrome do roubo da subclávia ocorre quando há reversão do fluxo da artéria vertebral ipsilateral, distalmente a uma estenose, ou oclusão da artéria subclávia proximal, ou, mais raramente, da artéria inominada. Em virtude da redução na pressão da artéria subclávia distalmente à obstrução, o sangue flui anterogradamente pela artéria vertebral contralateral, chega à artéria basilar e desce retrogradamente pela artéria vertebral ipsilateral, para suprir circulação colateral para a extremidade superior (Figura 1). Dessa forma, o suprimento sangüíneo é seqüestrado do sistema basilar e pode comprometer o fluxo sangüíneo encefálico, regional e total10 .

A primeira observação angiográfica ocorreu em 1960, por Cantorni1, porém a síndrome passou a ser aplicada amplamente depois que Reivichi e col7 relataram, em 1961, dois pacientes com sinais clínicos de insuficiência vascular cerebral, asssociada a reversão do fluxo através da artéria vertebral, secundariamente à obstrução subclávia. O termo síndrome do roubo da subclávia foi introduzido por Fisher, em 1962, tendo sido posteriormente alguns casos relatados na literatura5, devido à pouca incidência desta na população geral. Este trabalho tem como objetivo descrever os procedimentos diagnósticos e terapêuticos realizados, por ser esta uma síndrome rara e apresentar interesse nas especialidades que tem contato com pacientes que apresentam este tipo de doença.

 

Desenho esquemático mostra a passagem do sangue da artéria vertebral para a subclávia esquerda

Relato do Caso
Paciente do sexo feminino, 50 anos, branca, casada, do lar, natural de Miracatu e procedente de Mongaguá, estado de São Paulo, deu entrada apresentando paresia e diminuição da força muscular no membro superior esquerdo, síncope, dislalia e escotomas. Tabagista de um maço de cigarros por dia durante trinta anos, tendo parado há cinco. Vida sedentária. Úlcera gastroduodenal e gastrite há dois anos, fazendo uso de cimetidina. Hipercolesterolemia não tratada, com nível de 260 mg/100ml. Triglicerídeos, 200 mg/100 ml. Hipertensão arterial há quatro anos, fazendo uso de maleato de enalapril associado a hidroclorotiazida e de besilato de anlodipina associado a amiodipina. Em relação aos antecedentes familiares, relatava mãe falecida por acidente vascular cerebral. Ao exame físico geral, apresentava-se sem alterações.

Ao exame vascular, foi observado pressão arterial em membro superior direito de 150x80 mmHg e em membro superior esquerdo de 100x80 mmHg. Pulsos radiais direito e esquerdo a 100 por minuto. Foram encontradas também alterações da coloração da extremidade do membro superior esquerdo, variando entre palidez, eritema e cianose - fenômeno de Raynaud. Submetida a exame com ecodoppler colorido, procedimento não invasivo, constatou-se obstrução da artéria subclávia esquerda, na emergência da aorta torácica e estenose da artéria carótida interna, posteriormente confirmadas por arteriografia digital e diagnosticada a síndrome do roubo da subclávia
(Figura 2).

Optamos pelo tratamento cirúrgico, sob anestesia geral. No pré-operatório foi realizada avaliação dos órgãos vitais como sistema nervoso central, coração, rim, pulmão e sistema de coagulação, que não apresentaram alterações. Foi usada uma cefalosporina preventivamente, a cefuroxima, por via intravenosa.

No membro inferior esquerdo houve a dissecção da veia safena interna no terço proximal da coxa e extirpado um segmento de, aproximadamente, quinze centímetros, para realização da anastomose das artérias subclávia e carótida. Na região cervical foram feitas duas incisões, sendo a primeira, supra-clavicular, dissecada por planos com dissecção transversa do músculo escaleno anterior, isolamento do nervo frênico, identificação da artéria subclávia e seu posterior isolamento. A segunda foi realizada na borda do músculo esternocleidomastoideo com dissecção por planos, identificação e isolamento da artéria carótida comum esquerda (Figura 3).

Administraram-se 5000 unidades de heparina por via sistêmica, antes do clampeamento da carótida e da subclávia. No intra-operatório, foi feita heparinização intra-arterial, com a droga diluída em soro fisiológico, na concentração de 200 unidades/ml, de forma intermitente. Foram realizadas anastomoses da veia safena interna término-lateralmente na artéria subclávia esquerda e posteriormente na artéria carótida comum esquerda, com fio polipropileno monofilamentado arterial 6.0 em sutura contínua (Figura 4).

 

Arteriografia mostra obstrução da artéria subclávia esquerda na sua origem

No pós-operatório, a paciente fez uso de heparina de baixo peso molecular, a enoxiparina, cefuroxima, 750 mg, durante cinco dias e cloridrato de ticlopidina, no primeiro dia pós-operatório, permanecendo por seis meses. Após trinta dias da cirurgia, a paciente foi submetida a um exame com ecodoppler, que constatou boa evolução da reparação arterial, fazendo posteriormente um controle a cada seis meses.

 

 

Dissecção das artérias carótida comum esquerda e subclávia esquerda

 

DISCUSSÃO

Classicamente, deve-se suspeitar da síndrome do roubo da subclávia em pacientes que manifestem sintomas de insuficiência arterial vértebro-basilar e que apresentem uma diferença da pressão sistólica de, pelo menos, 30 mmHg entre os dois braços, associado a um sopro na área supraclavicular do lado afetado.

No tratamento operatório realizado, foi utilizada prótese biológica, a safena interna autógena, mas se ela já tivesse sido extirpada ou se apresentasse com calibre inadequado, poderíamos utilizar próteses sintéticas, tipo PTFE ou Dacron com porosidade zero. Durante a incisão na artéria carótida comum esquerda foram observadas placas de ateroma na sua parede, porém, não houve necessidade de remoção por serem de pequeno tamanho, sem causar obstrução arterial.

Há pacientes em que a síndrome é responsável por sintomas de insuficiência vértebro-basilar arterial cerebral extracraniana. Dessa forma, a correção cirúrgica da lesão é justificada e resulta em melhora dos sintomas. Não há justificativa para se insistir na terapêutica cirúrgica para prevenção de acidente vascular cerebral nessas circunstâncias, porque a síndrome por si só não parece causar acidente vascular cerebral. Vários procedimentos cirúrgicos já foram recomendados para a correção da síndrome, incluindo a ligadura simples da artéria vertebral ipsilateral, o enxerto de derivação aorta-subclávia ou, ainda, endarterectomia subclávia usando uma abordagem mediastinal ou transtorácica. Como os procedimentos se associavam, inicialmente, a uma elevada morbidade, surgiram diversos procedimentos supra-claviculares.

Ao final da década de 1960, muitos cirurgiões já haviam adotado o enxerto de derivação da artéria carótida à subclávia, feito por incisões cervicais como procedimento de escolha, como relatado por Mannick e colaboradores 5 . Há autores que relatam a derivação carotídea subclávia por uma única incisão cervical transversa superior e paralelamente à clavícula. Porém, no ato operatório aqui descrito, foram utilizadas duas incisões, por apresentar melhor abordagem e cicatrização. A mortalidade operatória em trinta dias é de cerca de 2% e as taxas de viabilidade do enxerto, em cinco anos, se aproximam dos 95%, com alívio dos sintomas na maioria dos casos.

A paciente relatada neste trabalho, encontra-se assintomática, em bom estado geral e com excelente resultado no pós-operatório.

 

Derivação arterial carotídeo-subclávio esquerdo com safena interna

 

CONCLUSÃO

Como foi referido anteriormente neste trabalho, a síndrome do roubo da subclávia é rara. Ro e colaboradores constataram, em 1997, que a incidência do roubo da subclávia é de 2,2%, em estudo ultrassonográfico realizado em indivíduos com mais de 60 anos de idade 8. O diagnóstico precoce ocorre com uma propedêutica adequada associada a exames complementares como ecodoppler colorido e/ou arteriografia digital. Pacientes com sintomatologia e diagnóstico comprovados são submetidos a tratamento cirúrgico utilizando próteses biológicas ou sintéticas. Após a terapêutica empregada utiliza-se ecodoppler seriado para avaliar a viabilidade do enxerto.

REFERÊNCIAS

1. Cantorni L. In Circolo Collateralle vertebra vertebrale nela obbliterazione dell‘arterio subclavia all sua origine. Min Chir 1960; 15: 258.

2. Dimakakos PB, Gouliamos AD, Arapoglou V, et al : Monograf reconstruction of all the major aortic arch trunks. Int Angiol. September 1997. 16 ( 3 ) : 107 - 790.

3. Edwards WK, Chapman RD, Wylie EJ: Management of oclusive lesions of the branches of the aortic arch. American Journal of Sugery 1969; 118 : 236

4. He Z, Ibayashi S, Sugimori H, et al: Age-related ischemia in the brain following bilateral carotid artery occlusion - Collateral blood flow and brain metabolism. Neurochemical research. November 1997; 22: 37-42.

5. Mannick J, Suter CG, Hume DM: The subclavian steal syndrome: A further documentation. JAMA 1962; 182 : 254.

6. Mehigan JT, Buch WS, Pipkin RD et al: Subclavian carotid transposition for the subclavian steal syndrome. American Journal Surgery 1978; 136 : 15.

7. Reivich M, Holling HE, Roberts B et al : Reversal of blood flow through the vertebral artery and its effect on cerebral circulation. N England J Med 1961; 265: 878.

8. Ro H, Amthor KF: Doppler ultrasond of precerebral arteries. A retrospective study of referral routines and findings. Tidsskr Nor Laegeforen. November 1997; 117(27) : 3917.

9. Sandison A, Panayiotopoulos YP, Corr LA, et al: Recurrent coronary - subclavian steal syndrome treated by left subclavian artery stenting. European Journal Endovascular Surgery 1997; 14(5) : 403 - 405.

10. Whittemore AD, Mannick J A ; Sindrome do Sequestro da Subclávia, In: Sabiston DC, Lyerly HR - Tratado de Cirurgia . As bases biológicas da Prática Cirúrgica Moderna, 15a. edição, 1998, pp 1566 - 1570.

OS AUTORES: CHA Bernardes é professor titular da disciplina de Cirurgia Vascular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos e Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular da Santa Casa da Misericórdia de Santos. LA Santos e LP Camilotti são alunas da Faculdade de Ciências Médicas de Santos e internas da Santa Casa da Misericórdia de Santos

ENDEREÇO/ADDRESS:

Dr. Carlos Henrique de Alvarenga Bernardes
Dr. Luiz Suplicy, 73 – conj. 01 Gonzaga
Santos, S.P. , BRASIL, CEP: 11055-330
Tel.: ( 013) 234-9523 Telefax : ( 013) 232-3587

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