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19/07/2019
Retratos das Misericórdias
Fakenews, resistência à vacinação e a volta do sarampo




Fakenews, resistência à vacinação e a volta do sarampo

A hesitação vacinal impede a erradicação da doença

                                       

Henrique S. Ivamoto (*)

 

A Organização Mundial de Saúde considera a hesitação vacinal uma das 10 maiores ameaças à saúde global.

Sarampo é uma doença viral transmitida por via respiratória, altamente contagiosa, que causa febre, tosse, coriza, conjuntivite e exantema maculopapular. Pode levar a complicações como pneumonia, gastroenterite, encefalites agudas e subagudas, otites, sequelas graves e mortes. Catharine Paules, da Universidade da Pensilvânia, cita que o vírus pode permanecer viável no ar por até 2 horas e que pessoas não imunes têm chance de até 90% de contrair a doença. 

A vacina comumente utilizada é a tríplice viral, conhecida pela sigla inglesa MMR, contra sarampo (measles), caxumba (mumps) e rubéola, que é uma suspensão de vírus atenuados, administrada segundo um protocolo com restrições a algumas pessoas. É segura, com baixos índices de efeitos adversos. A erradicação num país requer uma vacinação de pelo menos 95% da população, ficando as pessoas remanescentes protegidos pela imunidade de grupo ou “de rebanho”.

 

A doença, que já chegou a ser erradicada de vários países, inclusive de todo o continente americano, está recrudescendo, particularmente na África, Europa e Estados Unidos.
 


Exantema máculo-papular difuso



 

                      
Faringite e amidalite.                                           Conjuntivite                                               


          




Imagens da OMS-WHO

 

Vacina MMR e autismo

 Autor principal de um estudo publicado em 1998 na Lancet e de um vídeo, Wakefield sugeriu que a vacina MMR causaria autismo. Suas comunicações tiveram grande repercussão causando redução nos índices de vacinação na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Falhas detectadas no estudo e a falta de comprovação por outros pesquisadores levaram a revista a retratá-lo e um artigo do BMJ de 2011 informou que continha dados fraudulentos. Apesar dos esclarecimentos, a desinformação continua a ser divulgada.

 

Em março de 2019 a revista Annals of Internal Medicine publicou um estudo dinamarquês conduzido por Anders Hviid e colaboradores, que analisou uma coorte de 657 mil crianças e concluiu que a vacina MMR não aumenta o risco para ocorrência de autismo. Espera-se que esse grande estudo consiga encerrar a polêmica.

 

Guerras e o colapso do sistema de saúde

Guerras frequentemente causam o colapso do sistema de saúde e o aumento na incidência de várias doenças. A Venezuela, que vive uma crise análoga, sofreu o ressurgimento de casos de sarampo em julho de 2017, causada por uma cepa com o genótipo D8 procedente da Europa e a emigração em massa levou o vírus para fora de suas fronteiras. Segundo o Ministério da Saúde, o vírus foi introduzido no Brasil em 2018, causando surtos nos estados do Amazonas, Roraima e Pará, atingindo também outras regiões em menor escala. Excetuaram-se dois pacientes contaminados em outros países. Um surto independente ocorreu num luxuoso navio europeu de cruzeiros em águas brasileiras, o Seaview, acometendo 20 tripulantes, cujo vírus D8 era diferente do encontrado no país.

Desinformação e outras dificuldades

Uma pesquisa jornalística requer a verificação da seriedade das fontes e a veracidade dos fatos e uma notícia falsa compromete a reputação do jornalista e do veículo. Já nas redes sociais eletrônicas, cujos acessos são superiores aos da mídia tradicional, as portas para divulgação ficam escancaradas para qualquer internauta. Muitos usuários produzem ou compartilham textos e imagens sem se preocupar com sua veracidade e comumente agregam contornos exagerados.

Com conteúdo e formato livres, as mídias sociais têm apelo muito superior ao das mídias jornalísticas, circunscritas aos limites da verdade. Para se ter uma ideia do alcance, o número de seguidores do jornal New York Times no Instagram é 6 milhões enquanto o de Neymar é 119 milhões. Segundo o Instituto Reuters o Brasil é líder mundial em notícia por WhatsApp e a preocupação com as fakenews fez o número de assinantes digitais de jornais crescer 33%.

Algumas postagens comuns denunciam um hipotético conluio entre as poderosas indústrias farmacêuticas e todos governos. Outras atribuem mortes a vacinações apenas coincidentes. Para algumas pessoas, recusar vacinas constitui uma atitude autoafirmativa superior, mais nobre e elegante que submeter-se aos programas de vacinação, pois que “dirigidos às massas”.

Edoardo Vattimo, do Cremesp, comenta sobre fake news encorajando os médicos a refutarem boatos em saúde com o correto contraponto. Esper Kallás, da FMUSP, lamenta a situação absurda que atingiu o alcance de grupos antivacinas, enquanto Ana Sartori e Marta Lopes lembram que, com o desaparecimento de uma doença em virtude de vacinações, diminui o interesse na vacina. Apontam alguns problemas de ordem prática, como horários restritos dos postos de vacinação e dificuldades dos pais em entender os dados dos cartões de vacinação e do calendário de vacinação infantil. Márcio Nehab, da Fiocruz, afirma que sarampo é a doença com maior transmissibilidade conhecida e esclarece que os postos de saúde disponibilizam gratuitamente, durante o ano todo, imunizações contra a doença.

Na prática familiar, deve-se consultar o pediatra dos filhos e, para os adultos, um infectologista ou um especialista em imunizações, além do próprio médico responsável pelas vacinações do centro de saúde.

Quem recusa vacinação pode adoecer e transmitir o vírus a pessoas susceptíveis, inclusive àquelas que gostariam mas que não podem se proteger pela vacina, como os imunodeficientes e as gestantes. Ao colocar em risco outras pessoas, a recusa constitui uma real irresponsabilidade social.

Um problema mundial

Desde o trabalho pioneiro do clínico Edward Jenner em 1796, as vacinações - uma das maiores conquistas da ciência e da humanidade - já evitaram milhões ou bilhões de doenças, sequelas e mortes. Todavia, a resistência vacinal, “hesitação vacinal”, ganhou força nos últimos tempos e bloqueou o avanço da medicina preventiva.

Órgãos como o Centro para Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças têm investido na tarefa de controlar a resistência vacinal. O Facebook tem colaborado bloqueando sites que prestam desinformações.
 


Distribuição dos casos de sarampo (WHO-OMS)

O Ministério da Saúde lançou em abril de 2019 o Movimento Vacina Brasil para tentar reverter a queda nas taxas de vacinações, através da participação de empresas, população e profissionais de saúde.

“Sarampo em 2019 – Indo para trás” é o título chamativo para a grave questão pública, na revista NEJM de junho, de Paules e de diretores do Instituto Nacional de Saúde. Os autores citam o ressurgimento do sarampo, que havia desaparecido dos Estados Unidos em 2000, e que em 2019, até o dia 11 de abril, já contabilizava 555 novos casos. Eles enfatizam que a solução científica é clara – um programa amplo de vacinação com erradicação global da doença, relegando o sarampo aos livros de história.

 Paul Rota, do CDC, juntamente com representantes de diversas entidades, afirmaram na Nature de 2016 que o sarampo continuava sendo uma causa considerável de mortalidade infantil, com estimativas superiores a 100 mil casos fatais a cada ano. A taxa de fatalidade varia de <0.01% em países industrializados a >5% em nações em desenvolvimento.

William Moss, da Johns Hopkins, informou na Lancet de 2017 que o sarampo causava cerca de dois milhões de mortes anualmente antes do início das campanhas de vacinação. Face ao ressurgimento da doença, Moss enfatizou a necessidade urgente de se aumentar a cobertura global através da intensificação das campanhas de imunização rotineira e da educação pública.

Segundo esses epidemiologistas, virologistas e outros cientistas, tendo em vista a efetividade e o baixo custo da vacinação, a natureza monotípica do vírus e a ausência de reservatórios animais, o sarampo reúne as condições ideais que alimentam a esperança de sua erradicação mundial.

A problemática hesitação vacinal demanda uma efetiva campanha de esclarecimento através da mídia tradicional e também das redes sociais virtuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

Dabbagh A 2018. Dabbagh A, Laws RL, Steulet C, Dumolard L, Mulders MN, Kretsinger K, Alexander JP, Rota PA, Goodson JL. Progress Toward Regional Measles Elimination — Worldwide, 2000–2017. Centers for Disease Control and Prevention. Weekly / November 30, 2018 / 67(47);1323–1329

Godlee F, Smith J, Marcovitch H. Wakefield's article linking MMR vaccine and autism was fraudulent. BMJ 2011 Jan 5;342:c7452

Hviid A, Hansen JV, Frisch M, Melbye M. Measles, Mumps, Rubella Vaccination and Autism: A Nationwide Cohort Study. Ann Intern Med. 2019 Mar 5. doi: 10.7326/M18-2101. [Epub ahead of print] 

Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos. Sarampo: sintomas, transmissão e prevenção. https://www.bio.fiocruz.br/index.php/sarampo-sintomas-transmissao-e-prevencao. Acessado em 22.06.2019 

Kallás EG. Dossiê Vacinas: O futuro que já se pode antever. Ser Médico 2018; 85: 23-26.
Malavé M. O ressurgimento do sarampo: uma doença evitável. https://portal.fiocruz.br/noticia/o-ressurgimento-do-sarampo-uma-doenca-evitavel . Acessado 22.06.2019 

Moss WJ. Measles. Lancet. 2017 Dec 2;390(10111):2490-2502. doi: 10.1016/S0140-6736(17)31463-0. Epub 2017 Jun 30.

Paules CI, Marston HD, Fauci AS.  Measles in 2019 — Going Backward. New England Journal of Medicine. 380(23):2185-2187, June 6, 2019.

Sartori AMC, Lopes MH. Dossiê Vacinas: Panorama atual. Ser Médico 2018; 85: 17-22.

Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. Situação do Sarampo no Brasil – 2018-2019. Informe nº 37. 19 de março de 2019. http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/marco/19/Informe-Sarampo-n37-19mar19aed.pdf . Acessado em 12.06.2019 

Vattimo EFQ. Dossiê Vacinas: Redes sociais e fake news na Saúde. Ser Médico 2018; 85: 27-29


Imagens sobre o sarampo (measles) da Organização Mundial de Saúde, World Health Organization
 

(*) Henrique S. Ivamoto - editor da Acta Medica Misericordiae, revista do Centro de Estudos da Santa Casa de Santos. Doutor em Ciências (Unifesp) com especialização em Saúde Baseada em Evidências. Mestre em Educação (Univ. Católica de Santos). Autor de “Lacaz, Ciência e Humanismo na Casa de Arnaldo” (Prêmio Carlos Chagas da Academia Nacional de Medicina). Ex review-editor do Journal of Microsurgery (Boston e Nova York).Docente da Unimes. Médico diplomado pela USP e pelo Commonwealth of Pennsylvania.

 

 

 

 



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