Rede Corporativa
, 02 de maio de 2024.
01/12/1999
Volume 2 - Número 2
4 - Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: 500 anos a fazer o bem

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Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: 500 anos a fazer o bem

Santa Casa da Misericórdia of Lisbon: Five hundred years of philanthropy

MARIA DO CARMO ROMÃO, Provedora
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

 

Resumo

É com o maior gosto que acedo ao convite que me foi formulado, que muito agradeço, enviando artigo sobre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a publicar na prestigiada revista Acta Medica Misericordiæ . A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foi criada, em 15 de Agosto de 1498, pela Raínha D. Leonor, com o apoio de Frei Miguel Contreiras. A Instituição regia-se por um Compromisso, o qual serviu de modelo a centenas de outras Misericórdias, posteriormente criadas no País, na Europa e em todo o Império Português. O terramoto de 1755 e o fogo que se lhe seguiu destruíram as suas instalações, obrigando à dispersão dos serviços. Em 1768, o rei D. José fez doação à Santa Casa do edifício da Casa Professa de S. Roque, instalações onde ainda hoje se encontra sediada a Instituição. Com o objectivo de fazer face às despesas relacionadas com a saúde e a assistência social, D. Maria I concedeu, em 1783, a exploração das Lotarias à Misericórdia de Lisboa. Em 1834, foi extinta a Mesa eleita pelos Irmãos, passando esta a ser de nomeação régia. Ao longo dos seus cinco séculos de existência, a Santa Casa reuniu um vasto património artístico-cultural, do qual se destaca a Igreja e o Museu de S. Roque, o Arquivo-Histórico e o Património edificado. Actualmente, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa possui Estatutos, aprovados por Decreto-Lei de 1991, prosseguindo "humanitária e benemerentemente fins de acção social, de prestação de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais desprotegidos, de acordo com a tradição cristã do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, dando particular ênfase às obras de misericórdia".

Descritores: Assistência pública. Hospitais filantrópicos. História da Medicina. Humanismo. Saúde.

Summary

I'm much obliged and honoured to accept the invitation to write an article about the Santa Casa da Misericordia of Lisbon to be published in the prestigious journal Acta Medica Misericordiæ . The Santa Casa da Misericórdia of Lisbon (SCML) was founded on the 15th of August 1498 thanks to the personal intervention of Queen Leonor, advised by her Confessor, Father Miguel Contreiras. The new institution was run in accordance with the term "Commitment", which served as a model to hundreds of other similar institutions which were subsequently created throughout the Kingdom and the Portuguese Empire. The great earthquake of 1755 and the fire that followed it destroyed the SCML facilities and forced it to relocate its activities to various different sites. In 1768 the King donated the Casa Professa de S. Roque building to the SCML for use as its new headquarters. On the 18 th of November 1783, Queen Maria I granted SCML the privilege of operating the Lotteries in order to enable if to cover its health and social expenditure. In 1834, its voluntary status ended under a new law which abolished the management board elected by the Brothers and replaced it with one appointed by the crown. Over the centuries the SCML has accumulated a vast artistic and cultural collection. Amongst the highlights are the Saint Roque's Church and the Museum, its Historical Archives and various different buildings. The current Articles of Incorporation of the SCML were approved by Decree Law of 1991 pursuing "humanitarian and charitable objectives by means of activities designed to further social ends, provide healthcare, education and culture and improve people's quality of life, especially in favour of those who are the most deprived, and in accordance with the Christian tradition inherent in its original community over the centuries".

Key Words: Public assistance. Hospitals, voluntary. History of Medicine. Humanism. Health.

 

INTRODUÇÃO

É com o maior gosto que acedo ao convite que me foi formulado, que muito agradeço, enviando artigo sobre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a publicar na prestigiada revista Acta Medica Misericordiæ. De facto, como responsável máxima desta nobre Instituição considero de grande interesse a divulgação de dados fundamentais sobre a história, actividades e organização da primeira Misericórdia portuguesa, no âmbito das Comemorações dos 500 anos das Misericórdias. Faço votos para que todas as Misericórdias continuem a enfrentar e resolver os novos desafios sociais com que se deparam no seu dia a dia, para que vivam , cresçam e floresçam , ao serviço dos mais desfavorecidos.

Breve resumo histórico

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) foi criada, em 15 de Agosto de 1498, pela Raínha D. Leonor, com o apoio de Frei Miguel Contreiras, tendo por finalidade ajudar a resolver os graves problemas de assistência e saúde existentes em Lisboa.

A Instituição regia-se por um Compromisso, estabelecendo 14 Obras de Misericórdia, que os Irmãos deviam praticar, o qual serviu de modelo a centenas de outras Misericórdias, posteriormente criadas no País, na Europa e em todo o Império Português.

O prestígio da Misericórdia de Lisboa cresceu rapidamente e, em 1534, da pequena Capela do Claustro da Sé de Lisboa, onde estava sediada, foi transferida para instalações na zona ribeirinha. Novos atributos foram sendo concedidos à Instituição, sendo de realçar, a partir de 1543, a responsabilidade sobre as crianças abandonadas.

O terramoto de 1755 e o fogo que se lhe seguiu destruíram as suas instalações, obrigando à dispersão dos serviços.

Em 1768, o rei D. José fez doação à Santa Casa do edifício da Casa Professa de S. Roque, que até então pertencera à Companhia de Jesus, instalações onde ainda hoje se encontra sediada a instituição.

Com o objectivo de fazer face às despesas relacionadas com a saúde e a assistência social, D. Maria I concedeu, em 1783, a exploração das Lotarias à Misericórdia de Lisboa.

Em 1834, foi extinta a Mesa eleita pelos Irmãos, passando esta a ser de nomeação régia.

No século XIX nasceram numerosas instituições de iniciativa particular, cuja sobrevivência só foi possível devido à sua integração na Santa Casa, o que aconteceu, na sua maioria, já no século XX (1926-1932).

Ao longo dos seus cinco séculos de existência, a Santa Casa reuniu um vasto património artístico-cultural, do qual se destaca a Igreja e o Museu de S. Roque, o Arquivo-Histórico e o Património edificado.

Actualmente, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa possui Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, prosseguindo " humanitária e benemerentemente fins de acção social, de prestação de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais desprotegidos, de acordo com a tradição cristã do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, dando particular ênfase às obras de misericórdia, nomeadamente nas seguintes áreas: família, maternidade e infância; menores desprotegidos; pessoas idosas; situações sociais de carência grave; cuidados de saúde primários e diferenciados; e cumprimento dos encargos decorrentes de doações, heranças ou legados dos seus benfeitores".

Áreas de actuação da Misericórdia de Lisboa

1) Ação Social
Na área da acção social, a Santa Casa apoia os mais desfavorecidos socialmente, através de uma rede interactiva de serviços, com particular incidência nas crianças, idosos, sem abrigo e nos mais recentes grupos de excluídos sociais e suas famílias, prestando apoio directo a cerca de 7 % dos residentes na cidade de Lisboa, abrangendo anualmente mais de 20.000 pessoas, e contando, para o efeito, com Serviços Locais, existentes em cinco áreas geográficas da cidade.

No sector da infância, a SCML apoia directamente cerca de 5.000 crianças e jovens, desenvolvendo acções de apoio a menores privados de meio familiar normal, através de esquemas de acolhimento diurno e de ocupação de tempos livres de crianças e jovens.

No que respeita à população idosa, a Santa Casa esforça-se por dar um conjunto de respostas diversificadas, apoiando cerca de 600 idosos, através de Centros de Convívio, Centros de Dia e Lares, bem como de Apoio Domiciliário, contribuindo para a quebra do isolamento dos idosos e para a satisfação das suas necessidades básicas.

Além disso, a SCML desenvolve algumas respostas inovadoras, que visam o apoio específico a grupos em risco de exclusão, designadamente através dos Programas de "Orientação, Formação e Inserção Profissional", "Apoio e Inserção Social dos Sem Abrigo", "Programa de Promoção Social dos Ciganos" e do "Projecto Solidariedade" que connfere apoio a indivíduos infectados pelo HIV e suas famílias.

A Misericórdia de Lisboa desenvolve ainda localmente e em parceria com outras instituições várias acções específicas, com vista à reabilitação do tecido social, promovendo acções interinstitucionais de desenvolvimento comunitário.

 
 
  Fig. 1. Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.  
 
     
 

 
  Fig. 2. Hospital Ortopédico Sant'Ana da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.  
     
 
 

2) Saúde
Na área da saúde, a Santa Casa desenvolve acções de promoção e vigilância da saúde, de prevenção e tratamento da doença, bem como de informação, educação e formação junto da população em geral.

Os Serviços de Saúde de São Roque têm por missão prestar cuidados de saúde primários, dispondo de onze Unidades de Saúde e de cuidados de saúde diferenciados, dispondo, nos Serviços Centrais, do Centro Clínico de São Roque, que conta com especialidades médico-cirúrgicas e de meios complementares de diagnóstico e terapêutica e ainda de um internamento em pediatria, destinado a crianças e adolescentes até aos quatorze anos de idade.

A SCML dispõe também de uma Farmácia, composta pela Unidade Central e por dois Postos Farmacêuticos, que funciona numa óptica de complementaridade da assistência prestada aos utentes.

De destacar que a Santa Casa possui dois Hospitais: o Hospital Ortopédico de Sant'Ana, desde 1927, vocacionado para a prevenção, tratamento e reabilitação no campo da ortopedia e o Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão, desde 1966, vocacionado para a reabilitação e tratamento de diminuídos físicos, assim como para a investigação científica, sendo ainda hoje o único centro da especialidade no país.

A SCML tem ainda a Escola Superior de Saúde do Alcoitão , convertida, em 1994, em estabelecimento de ensino superior, que forma técnicos altamente especializados nas áreas de fisioterapia, terapêutica ocupacional e terapêutica da fala.

3) Cultura
Na área da cultura, têm sido desenvolvidas actividades de investigação, no âmbito do património histórico-artístico da Instituição, com publicações, edições especiais e reedições, de divulgação do seu património cultural, com exposições temporárias e visitas guiadas, dirigidas essencialmente a grupos de alunos e professores dos ensinos básico, secundário e superior e de conservação e restauro de obras de arte, pinturas, esculturas, livros e documentos antigos.

Foram ainda instituídas bolsas de estudo sobre temáticas de grande interesse para a Santa Casa, bem como prémios no âmbito da comunicação social.

Têm vindo a ser desenvolvidas outras iniciativas relevantes de índole cultural, como é o caso da Temporada "Música em S. Roque" .

4) Jogos sociais
Na área dos jogos sociais, que constituem a principal fonte de financiamento da Instituição, foi concedida à Misericórdia de Lisboa, em regime de exclusividade para todo o território nacional, a exploração da Lotaria Clássica, Lotaria Popular, Totobola, Totoloto, Lotaria Instantânea, Joker, Loto2 e Totogolo.

A Lotaria Nacional foi fundada em 1783, por decreto da Rainha D. Maria I. Em 1987, foi criada uma nova lotaria, a Lotaria Popular, vendida a preços mais acessíveis aos apostadores. O Totobola foi instituído em 1961, o que tornou possível a criação do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão.

A partir de 1985, a Santa Casa passou a explorar o Totoloto, tendo-lhe sido atribuída a exploração do Joker, em 1994, e da Lotaria Instantânea, em 1995. Mais recentemente, em 1997, foi autorizada a realização de um segundo sorteio do Totoloto, o Loto2. No corrente ano, colocou-se à disposição do público uma nova modalidade de apostas mútuas, o Totogolo, que consiste em predizer o número exacto e/ou aproximado de golos de ambas as equipas num jogo de futebol.

 

 
     
 
 
  Fig. 3 Antiga esfera da Lotaria Nacional.  
   

Distribuição das rendas dos Jogos Sociais
Os resultados líquidos dos lucros dos Jogos Sociais revertem a favor dos seguintes beneficiários:

1) Totoloto/Loto 2
Instituto Gestão Financeira da Segurança Social (30%), Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (21,5%), Fundo de Fomento do Desporto (16%), prevenção e reabilitação de deficientes físicos (12,5%), Instituições Particulares de Solidariedade Social (8%), Fundo de Fomento Cultural (4,5%), INATEL (2,5%), Associação de Bombeiros Voluntários (2%), prevenção e recuperação de situações de calamidade pública (1,5%) e Policiamento de espectáculos desportivos (1,5%).

2) Totobola/Totogolo
Federação Portuguesa de Futebol (50%), Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (21,5%), Instituto Gestão Financeira da Segurança Social (9,5%), Instituições Particulares de Solidariedade Social (8%), prevenção e reabilitação de deficientes físicos (7%), prevenção e recuperação de situações de calamidade pública (2%) e Associação de Bombeiros Voluntários (2%).

3) Joker
Projecto Integrado de Luta Contra a Sida (25%), Plano Nacional de Combate à Droga "Projecto Vida" (25%), Projecto de Auxílio à População Idosa e Carenciada (25%), Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (20%) e Projecto de Apoio à Família e à Criança (5%).

4) Lotaria Clássica e Popular
Direcção Geral do Tesouro - Orçamento Geral do Estado (63,5%) e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (36,5%).

5) Lotaria Instantânea
Apoio a crianças carenciadas (30%), Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (25%), projectos especiais de ocupação de jovens (25%) e apoio a estudantes do ensino secundário (20%).

Organização administrativa
A SCML é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, cujos órgãos de administração são a Mesa (composta pelo Provedor, Vice-Provedor e três Adjuntos) e o Provedor.

O Provedor é nomeado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e dos Ministros que exerçam a tutela sobre a Misericórdia de Lisboa (Ministros das áreas da saúde e da segurança social), sendo o Vice Provedor e os Adjuntos nomeados por despacho dos membros do Governo da tutela, ouvido o Provedor. A nomeação é feita por um período de 3 anos, renovável.

A Misericórdia de Lisboa tem ainda os seguintes órgãos consultivos e de fiscalização: Conselho Institucional, Conselho de Jogos, Conselho de Auditoria ou Definitório.

O Conselho Institucional é constituído por um representante da Irmandade da Misericórdia e de São Roque, um representante do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e um representante da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

O Conselho de Jogos é constituido por dois representantes da tutela, um representante do Ministério das Finanças, um representante do Ministério da Administração Interna, um representante do Ministério da Educação, um representante do Ministério do Comércio e Turismo, três representantes das entidades beneficiárias dos lucros dos jogos, a designar pela tutela de entre aquelas a quem couber maior percentagem e após audição dos respectivos orgãos dirigentes.

O Conselho de Auditoria é constituído por um representante do Ministro das Finanças, um representante dos Ministros da tutela, e um revisor oficial de contas, nomeado pelos Ministros da tutela.

A SCML dispõe de dois Departamentos criados estatutariamente (o Departamento de Jogos e o Departamento de Gestão Imobiliária e Património), de um Secretário-Geral, que exerce as funções de Oficial Público da Misericórdia de Lisboa, e de diversos Serviços e Estabelecimentos, definidos pela Mesa da Instituição.

 

 

A AUTORA é provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Endereço/Address:
Maria do Carmo Romão, Provedora
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Tel 3235000 Fax 323500
Largo Trindade Coelho, 1200-470
Lisboa
Apartado 2059 1102-803 Lisboa Codex
Portugal

 
 

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