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, 02 de maio de 2024.
01/12/1999
Volume 2 - Número 2
5 - Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre: 196 anos de amor à vida

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Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre: 196 anos de amor à vida

Santa Casa de Misericórdia of Porto Alegre: 196 years of love for life

Noris Mara Pacheco Martins Leal
Centro de Documentação e Pesquisa da Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre, Brasil.

 

Leal NMPM. Santa Casa de Misericórdia of Porto Alegre: 196 years of love for life. Acta Medica Misericordiæ 1999; 2(2):68-71 

Resumo

A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre foi fundada em 1803, vindo suprir as necessidades da Província que ainda não possuía um hospital. As primeiras enfermarias foram inauguradas em 1826 e serviam para atender principalmente a escravos, pobres e presos, dando assistência médica e, principalmente, social. Com o fim da escravidão e o desenvolvimento capitalista, o perfil da Instituição transformou-se de assistencial para terapêutica. A partir deste momento, passou a ter como objetivo, também, o ensino e a pesquisa. A busca constante do aprimoramento tornou o Hospital pioneiro em diversas áreas da medicina.

Descritores: Hospitais filantrópicos. História da Medicina. Educação médica. Ensino.

Abstract

The hospital of the Santa Casa de Misericórdia of Porto Alegre was founded in 1803, attending the needs of the province of São Pedro do Rio Grande do Sul, which didn't have a hospital at that time. The first nurseries were opened in 1826, giving medical and social assistance to slaves, the poor and criminals. With the end of slavery and the development of capitalism, there was a change in the Institution's aim, which moved from its role of providing social assistance to a more therapeutic role, aiming also at research and teaching. This constant search for improvement has made the Santa Casa da Misericórdia of Porto Alegre a pioneer in several fields of medicine.

Key Words: Hospitals, voluntary. History of Medicine. Education, medical. Teaching.

     
 
Fig. 1 A Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre na década de 1930. Acervo do Centro de Documentação de Pesquisa - CEDOP.
 
Fig 2. A Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre em fotografia de Azevedo Dutra. Acervo do CEDOP.
 
     
 

A Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre foi fundada no início do século passado, surgindo como uma cópia da Misericórdia de Lisboa e vinha suprir as necessidades da Província que não possuía um local apropriado para atendimento aos doentes pobres e escravos. Em Porto Alegre existia apenas uma senhora negra, chamada Angela Reiúna, que morava na rua "Pecados Mortaes" (hoje Bento Martins), que atendia principalmente aos marinheiros, dando curativos e alimentação. Com 3.927 habitantes, era evidente a necessidade da criação de um hospital. Dessa forma, não foi difícil para o Irmão Joaquim do Livramento, fundador do Hospital de Caridade de Florianópolis, obter concessão real para abrir um hospital de caridade. A pedra fundamental foi lançada em 1803 e as primeiras enfermarias do Hospital, inauguradas em 1826, serviam para atender principalmente a escravos, pobres e presos, dando não só assistência médica, mas também social.

As características da Santa Casa, nesse período, fazem lembrar em muito a definição de Hospital existente até o século XVIII dada por Foucault: "O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento. Esta é a função essencial do hospital. Dizia-se correntemente, nessa época, que o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer. E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação. Era um pessoal caritativo - religioso ou leigo - que estava no hospital para fazer uma obra de caridade que lhe assegurasse a salvação eterna. (...) Função de transição entre a vida e a morte, de salvação espiritual mais do que material, aliada a função de separação dos indivíduos perigosos para a saúde geral da população. (...) O hospital permanece com essas características até o começo do século XVIII e o Hospital Geral, lugar de internamento, onde se justapõem e se misturam doentes, loucos, devassos, prostitutas, etc., é ainda, em meados do século XVII, uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação espiritual"

Além do tratamento aos doentes a Santa Casa ainda se responsabilizava pelo cuidado de alienados, para os quais possuía o Asilo de Alienados, até a fundação do Hospital São Pedro (1884); e expostos (entre 1837 e 1940), crianças que eram abandonadas na Roda dos Expostos, e ficavam na Casa da Roda, eles eram criados, na própria casa ou por criadeiras, e recebiam a educação básica, as meninas aprendiam as primeiras letras e as lides domésticas, para serem encaminhadas para o casamento e os meninos eram matriculados no Arsenal de Guerra para aprenderem um ofício.

Para os pobres, a entidade sempre esteve presente, mesmo na hora da morte. Em 1850 foi criado o primeiro cemitério extra-muros, onde os carentes tinham e ainda possuem um lugar no "Campo Santo". Este não ficou limitado ao enterramento dos pobres, sendo considerado o "Cemitério da Cidade", até o início do século XX, ali estão presentes todos os segmentos sociais.

Com o fim da escravidão e o desenvolvimento de uma classe operária, o perfil da clientela se transformou, assim como mudou a medicina no Rio Grande do Sul. Como diz Focault, "no século XIX aparece uma medicina que é essencialmente um controle da saúde e do corpo das classes mais pobres para torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas às classes mais ricas." Neste período, surgiu a primeira Faculdade de Medicina, fundada pelos médicos da Santa Casa, a qual utilizou as enfermarias do Hospital Geral para o ensino, fazendo com que a terapêutica predominasse sobre a noção assistêncial sem, no entanto, esquecê-la. A partir deste momento temos presente como objetivo da Entidade, também o Ensino e a Pesquisa. A busca constante do aprimoramento tornou o Hospital pioneiro em diversas áreas da medicina.

Com o desenvolvimento acelerado da sociedade capitalista, durante o século XX e as constantes crises econômicas mundiais que refletiram-se na Casa de Caridade já não sendo mais possível sobreviver de donativos e rendas, vários provedores, em conjunto com a Mesa Administrativa, buscaram soluções. Anexaram-se ao Hospital Geral, hospitais especializados com maior número de leitos pagos, como o Hospital São Francisco, de cardiologia, em 1930; o Hospital São José, de neurologia, em 1944; Hospital da Criança Santo Antônio, para pediatria, em 1953; o Pavilhão Pereira Filho para pneumologia, em 1965, além de outras atitudes, mas nada impediu que a situação piorasse cada vez mais seguindo um reflexo da estrutura à qual estava inserida.

A década de 1980 iniciou para a Santa Casa como uma das mais difíceis de sua história, chegando ao ponto de fechar as portas para as pessoas que ali chegavam. Através de um esforço conjunto da comunidade com o governo, manteve-se o atendimento e foi escolhida uma comissão denominada de "Comissão de Apoio Técnico", a qual tinha por função reabilitar economicamente a velha instituição. Iniciou-se assim um período de transformação em busca do saneamento financeiro e do aprimoramento tecnológico. A preocupação era renovar a imagem da Santa Casa, tanto interna como externamente, segundo Kliemann.

O longo período de crise em que se manteve a Instituição, as denúncias de fraude e corrupção, criaram na população uma imagem que não correspondia ao potencial da Santa Casa, ou seja, não correspondia às possibilidades assistenciais e hospitalares que existiam, uma vez sanadas as deficiências.

A preocupação com a imagem era justificada, inclusive pelo fato da Irmandade, na sua trajetória, ter sido muitas vezes sustentada por doações da comunidade que, ao sentir a deterioração, recuou na ajuda. Era preciso restabelecer a confiança da população nos serviços prestados e na seriedade administrativa da Instituição.

Por outro lado, fez-se necessário reconquistar a área médica para o trabalho e a pesquisa na Instituição. Isto foi obtido através de convênios universitários e, em 1985, teve a sua condição de hospital-escola reconhecida. Da mesma forma, através de uma nova metodologia a nível de recursos humanos e da melhoria das condições de trabalho, a imagem junto aos funcionários foi recuperada.

Um largo cronograma de obras foi posto em execução. Elas iniciaram pela restauração das instalações já existentes e, hoje, corporificam-se em novos pavilhões.

Em 1989, como reconhecimento ao modelo de administração adotado pela Santa Casa, foi incorporado ao complexo o Hospital Santa Rita, especializado em oncologia, que estava prestes a fechar as suas portas e a solução estava na política implantada na Instituição.

Além do desenvolvimento da área física, foi ampliado o seu programa de transplantes de órgãos com a realização do primeiro transplante isolado de pulmão da América Latina, confirmando o pioneirismo que já possuía nacionalmente em relação a transplantes de rim e pâncreas, assim como a sua posição de destaque nacionalmente nos transplantes renais.

Segundo Dalmagro, "Com certeza, apesar das dificuldades conjunturais e estruturais inerentes ao setor de saúde, a Instituição tem mantido a sua Missão, que é secular, porém atualizada a partir da evolução social e tecnológica, norteando todos os passos desenvolvidos por sua administração".

 
Fig. 3 Atendimento médico em uma das enfermarias da Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre, na década de 1940. Acervo do CEDOP.
 

 

 
Fig. 4. A Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre em 1999. Acervo do CEDOP

 

BIBLIOGRAFIA

1. Dalmagro O: O Sistema de Gestão. Santa Casa Notícias , 1 à 15 de outubro de 1998, ano 13, nº 75.

2. Foucalt M: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1979.

3. Kliemann L: Da Assistência à Pesquisa: A Trajetória de uma Irmandade. Porto Alegre.

4. Leal NM: CEDOP: Pioneirismo na Guarda de Acervo Hospitalar. Porto Alegre

 

A AUTORA: Licenciada em História pela UFRGS, é coordenadora do Arquivo Histórico e Museu, setores pertencentes ao Centro de Documentação e Pesquisa da Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre. Foi indicada para elaborar o presente artigo pelo Sr. José Sperb Sanseverino, provedor da Misericórdia de Porto Alegre.

 

Endereço/Address:

Noris Mara Pacheco Martins Leal, coordenadora, Arquivo Histórico e Museu, Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOP), Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre, Rua Prof. Annes Dias, 285, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, CEP 90020-090, Brasil. Telefone (051) 2148080, Fax 2148585.

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