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, 02 de maio de 2024.
01/12/1999
Volume 2 - Número 2
8 - Esplenectomia laparoscópica

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Esplenectomia laparoscópica

Laparoscopic splenectomy

Fabio Pimentel Martins, Alexandre Prado de Resende, Artur Emílio Leonardi Tubúrcio, Rogério Neiva Peixoto, Rodrigo Resende Costa

Departamento de Cirurgia da Santa Casa da Misericórdia de Belo Horizonte, Brasil.

Martins FP, Resende AP, Tubúrcio AEL, Peixoto RN, Costa RR. Laparoscopic splenectomy. Acta Medica Misericordiæ 1999; 2(2):85-88

 

Resumo

Os autores apresentam uma análise de dezessete esplenectomias consecutivas realizados por vídeo-laparoscopia. Quinze pacientes eram portadores de afecções hematológicas, um de volumoso cisto esplênico e outro de hematoma intracapsular do baço. A idade variou de 5 a 58 anos: dez crianças e sete adultos. Todos foram operados sob anestesia geral. A duração da operação variou de 90 a 280 minutos. O sangramento operatório foi de volume desprezível, mesmo nas crianças, não sendo em nenhum paciente necessária a realização de hemotransfusão. A única complicação observada foi uma atelectasia pulmonar, tratada com fisioterapia . Os pacientes receberam alta entre 36 e 96 horas de pós-operatório. Consideramos que a esplenectomia por vídeo-laparoscopia é procedimento perfeitamente factível e seguro, apresentando baixa morbidade. Para sua realização, no entanto, é necessária uma seleção de casos, um treinamento específico e uma grande vivência com cirurgia vídeo-laparoscópica. Acreditamos ainda que as indicações desta via poderão se estender a casos mais complexos, com o aprimoramento do instrumental cirúrgico e com uma maior experiência com os procedimentos vídeo-endoscópicos.

Descritores : Baço. Esplenectomia. Cirurgia endoscópica. Púrpura trombocitopênica.

 

Summary

The authors present seventeen consecutive splenectomies perfomed through video-laparoscopy. Fifteen patients had hematologic diseases, one had a huge splenic cyst and the other a subcapsular hematoma. The patients ages ranged between 5 and 58 years: ten children and seven adults. All the operations were performed under general anesthesia. The procedure lasted from 90 to 280 minutes. Blood loss was minimal, even in children, making blood transfusion unnecessary. The only complication was a pulmonary atelectasis in one patient, treated with physiotherapy. All patients were discharged between 36 and 96 hours post-operatively. We consider the laparoscopic splenectomy a safe procedure, with a low morbidity. An adequate patient selection is necessary, however, as well as specific training and large experience with other laparoscopic procedures. We also believe that with the development of surgical instruments and larger experience on behalf of the surgeons who deal with such procedures, the indications for laparoscopic splenectomy will be extended to cases of higher complexity.

Key Words : Spleen. Splenectomy. Surgery, endoscopic. Pupura, thrombocytopenic.

 

INTRODUÇÃO

Os avanços da cirurgia laparoscópica, embalados por uma melhora progressiva do arsenal cirúrgico e por uma maior familiarização dos cirurgiões com o método, tem possibilitado a realização de operações com maior grau de complexidade por esta via, entre quais, desde 1991 se incluem as esplenectomias (1). Relatamos a experiência com esplenectomias realizadas por via laparoscópica, em nosso serviço, ressaltando alguns aspectos técnicos que consideramos relevantes.

 

PACIENTES E MÉTODOS

No período de julho de 1994 à fevereiro de 1999, foram realizadas em nosso serviço dezessete esplenectomias por via laparoscópica. Dez dos pacientes eram crianças, com idades variando de 5 a 12 anos e média de 6,6 anos. Os outros sete eram adultos, com idades entre 20 e 58 anos e média de 29,2 anos. A indicação cirúrgica se fez por esferocitose em 4 casos, por púrpura trombocitopênica idiopática em 7 casos, por beta-talassemia e por drepanocitose em 2 casos cada e por cisto esplênico e hematoma intracapsular nos dois pacientes restantes (Quadro 1).

Quadro 1: Indicações para esplenectomia vídeo-laparoscópica

 

Púrpura trombocitopênica 7 (41,1%)
Esferocitose 4 (23,5%)
Anemia falciforme com seqüestro 2 (11,8%)
S B Talassemia 2 (11,8%)
Cisto esplênico 1 (5,9%)
Tumor (hematoma) 1 (5,9%)

 

     
 

Todos os procedimentos foram realizados de forma eletiva, tendo os pacientes recebido, no período pré-operatório, vacinação anti-Haemophylus sp e anti-Streptococos pneumoniae. Os portadores de distúrbios hematológicos foram preparados de acordo com as exigências próprias de cada afecção. A antibiótico-profilaxia foi feita com ampicilina em todos os casos, tendo nos paciente menores de 18 anos sido associada à administração de uma dose mensal de penicilina benzatina no pós-operatório, até que os mesmos atingissem esta idade.

Os pacientes foram posicionados em decúbito dorsal, com um coxim sob o flanco esquerdo, de forma a mantê-lo em ângulo de 45º e a mesa em proclive acentuado. O cirurgião posicionou-se à direita do paciente, defronte ao monitor. O "camera" (operador de câmara) posicionou-se ao lado do cirurgião e o segundo auxiliar à esquerda do paciente. Utilizamos rotineiramente a óptica de 30º .

As operaçôes foram realizadas através de 4 ou 5 portais (Figura 1). O primeiro, de 10 mm, para a introdução do equipamento óptico, foi aberto na cicatriz umbilical nas crianças e entre este ponto e o rebordo costal esquerdo nos adultos. As demais punções realizadas foram: sub-xifóidea (10mm) para tração do fundo gástrico; linhas hemiclaviculares esquerda (10mm) e direita (5mm), para trabalho das mãos direita e esquerda do cirurgião, respectivamente. Um quinto portal, na linha axilar média, abaixo do polo inferior do baço (5mm), para contra-tração, exercida pelo segundo auxiliar, foi utilizado na maioria dos casos.

O procedimento foi iniciado pela exposição dos vasos gástricos curtos, obtida através da tração para a direita do fundo gástrico. Estes vasos poderão ser clipados ou coagulados com eletrocautério bipolar ou ultra sônico. Em seguida, foram seccionadas as estruturas ligamentares que compõe o sustentáculo esplênico. Neste tempo, seccionamos eventuais vasos curtos que não tinham sido abordados anteriormente. O pedículo esplênico só foi ligado após a completa mobilização do baço, sendo esta abordagem feita de forma seqüencial, do polo inferior em direção ao polo superior, isto é, os vasos são sucessivamente clipados e seccionados, expondo assim o vaso subsequente. Embora factível, não realizamos rotineiramente a ligadura do tronco da artéria esplênica previamente à abordagem do pedículo.

Para sua retirada, o baço é introduzido em recipiente plástico, cujas bordas são exteriorizadas através de um dos portais. Uma pequena ampliação da incisão pode ser necessária. Ele será então fragmentado por manobras digitais ou através de instrumentos.

Outras opções são a retirada pela ampliação de uma das incisões ou até por uma nova incisão, de Pfanestiel (1,2,5-10).

 
     
 

Fig. 1 : Posição dos portais de acesso.

 
     
 

 

RESULTADOS

O tempo operatório variou de 90 a 280 minutos, com média de 150 minutos. Nenhum dos pacientes necessitou hemotransfusão trans ou pós-operatória. Foram identificados baços acessórios em 4 casos (23,5% dos pacientes), todos na goteira parieto-cólica esquerda, um deles medindo 15 mm e os outros 20mm. A extração do baço, seguida de sua introdução em recipiente plástico foi feita pela cicatriz umbilical em 9 casos, por uma pequena ampliação da incisão do hipocôndrio esquerdo em 4 casos, por incisão de Pfanestiel em dois casos e por mini-laparotomia subcostal esquerda de aproximadamente 6 cm em 2 casos, em um portador de hematoma intracapsular e outro de PTI, que também foi utilizada para a ligadura de vasos restantes do pedículo que se encontravam englobados pelo hematoma. Consideramos estas cirurgias video-assistidas.

Foram observadas complicações pós-operatórias em apenas um paciente (5,8 % dos casos). Tratava-se de portadora de esferocitose com seqüelas pleurais de processos infecciosos prévios, que evoluiu com atelectasia de base pulmonar esquerda, tratada através de suporte fisioterápico. Um paciente, após a alta hospitalar, apresentou quadro súbito de acidente vascular cerebral, falecendo após 17 dias.

O período de internação no pós-operatório variou de 24 a 96 horas, com média de 48 horas, tendo todos os pacientes retornado às suas atividades habituais, sem qualquer restrição, uma semana após a intervenção.

Nenhum dos 15 pacientes com distúrbios hematológicos apresentou sinais clínicos ou laboratoriais de recidiva até o momento.

CONCLUSÕES

A esplenectomia mostrou-se factível por via laparoscópica, a princípio em casos selecionados. Devem ser descartados baços muito volumosos ou casos de hipertensão portal. Com o aumento da experiência, no entanto, a via laparoscópica pode ser indicada com maior liberdade (1,3,5,8,10). Tivemos a oportunidade de realizar uma esplenectomia por esta via em um paciente portador de baço com 27cm e com moderado grau de hipertensão portal, sem qualquer intercorrência.

Assim como Cadiore e Cols. (2), consideramos que a abordagem do pedículo esplênico só deva ser feita após toda a mobilização do baço, o que acreditamos permitirá uma melhor visualização e uma dissecção mais segura de seus vasos. É desnecessário, a nosso ver, a embolização pré-operatória da artéria esplênica, o que além de potenciais riscos, provoca grande desconforto ao paciente (5,6,8). Em portadores de esplenomegalia, a ligadura do tronco da artéria esplênica poderá ser feita, sendo que nós a realizamos em três casos, o que facilita e torna mais seguro o restante do procedimento. Outra opção para a abordagem do pedículo é a utilização de "stapplers" com cargas vasculares (8,9,10). Sua utilização tem, no entanto, como inconvenientes, um aumento no custo do procedimento, além de um maior risco de sangramento, como relatado por Arregui (1). É importante que se tenha no ato cirúrgico várias opções de hemostasia laparoscópica.

Nos portadores de distúrbio hematológico, a procura de baços acessórios é mandatória (1,2,3,5,7,8), e deve ser realizada tanto no pré-operatório através de métodos de imagem quanto no per-operatório, em especial no ligamento gastro-cólico, na retrocavidade dos epiplons e na goteira parieto-cólica esquerda (3,8). Em nossa casuística, a exploração operatória mostrou-se mais eficaz que os métodos de imagem pré-operatórios, tendo sido capaz de localizar baços acessórios em 3 pacientes (medindo 15 e 20 mm de diâmetro). Em nenhum dos casos, os mesmos haviam sido detectados nos exames de imagem pré-operatórios. Outro importante cuidado a ser tomado, especificamente nestes pacientes, qualquer que seja a incisão escolhida para a retirada do baço, é a introdução do órgão em um recipiente plástico antes de sua fragmentação, visando assim evitar implantes peritoniais durante as manobras para sua extração (1-3,5-10). Ressaltamos ainda que esta fragmentação não tem prejudicado um adequado estudo histopatológico das peças cirúrgicas. Em nossa experiência, a associação destes cuidados tem se mostrado eficaz, visto que nenhum dos portadores de doença hematológica apresentou sinais clínicos ou laboratoriais de recidiva da doença até o momento, após um seguimento médio de 25,8 meses. Consideramos, no entanto, fundamental uma análise de um maior número de casos bem como um maior tempo de seguimento pós-operatório para a confirmação deste achado.

A perda sangüínea estimada foi mínima, não tendo sido necessária a realização de hemotransfusão per ou pós-operatória em nenhum dos casos.

A duração média do procedimento, que é pouco inferior a 3 horas, tende a cair, à medida que aumenta a experiência da equipe cirúrgica, não constituindo esta uma preocupação relevante a nosso ver. Um tempo operatório pouco maior que na cirurgia aberta é compensado por uma redução no tempo de internação e uma recuperação mais rápida do paciente no pós-operatório, não estando associado a uma maior morbidade (1-3,5-10).

Acreditamos que conversão para a via aberta deva ser considerada sempre que se apresentar alguma dificuldade técnica, que exponha o paciente a riscos (1,2,5-7,9,10).

A permanência hospitalar pós-operatória foi bastante reduzida, e o caráter micro-invasivo do procedimento tem permitido um rápido retorno dos pacientes a suas atividades habituais (2,6-9).

A única complicação pós-operatória observada, uma atelectasia em base esquerda, foi atribuída a distúrbios respiratórios pré-existentes, não estando relacionada diretamente com o pneumoperitôneo.

Consideramos que hoje a via laparoscópica é a de primeira escolha na realização de esplenectomias para o tratamento de portadores de distúrbios hematológicos e outras afecções benignas do baço que não cursem com hipertensão portal importantes. Nas demais afecções que acometem o baço, a utilização ou não desta via deverá basear-se no estudo específico de cada caso, bem como na experiência da equipe cirúrgica.

 

REFERÊNCIAS
1. Arregui ME, Barteau J, Davis CJ: Laparoscopic splenectomy: Techniques and indications. Int Surg 1994;79:335-341.

2. Cadiere GB, Verroken R, Himpens J, et al: Operative strategy in laparoscopic splenectomy. J Am Col Surg 1994; 179:668-672.

3. Gigot JF, Etienne J, Lengele B, et al : Esplenectomía laparoscópica electiva: experiência personal y revisión de la bibliografia. Sem Cir Lap 1996; 3:34-43

4. Kingler PJ, Hinder RA: Laparoscopic splenectomy: Evolution and current status. Surgical Laparoscopy and Endoscopy 1999; 9:1

5. Poulin EC, Thibault C: Laparoscopic splenectomy for massive splenomegaly: Operative technique and case report. CJS 1995; 38:69-72.

6. Robles AE, Andrews G, Garberolgio C: Laparoscopic splenectomy: Present status and future outlook. Int Surg 1994; 79:332-334.

7. Rudowski WJ: Laparoscopic Splenectomy - Letter to the editor. Am J Surg

8. 1995;169:282-283.

9. Sardi A: Laparoscopic splenectomy for patients with idiopathic thrombocytopenic purpura. Surg Lap End 1994; 4:316-319.

10. Smith BM, Schropp KP, Lobe TE, et al: Laparoscopic splenectomy in childhood. J Ped Surg 1994; 29:975-977.

11. Yee JCK, Akpata MO: Laparoscopic splenectomy for congenital spherocytosis sith splenomegaly: A case report. CJS 1995; 38:73-76.

 

Endereço/ Address:
Fabio Pimentel Martins
Av. Pasteur, 40 _ sala 408
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