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, 03 de maio de 2024.
01/06/2000
Volume 3 - Número 1
6 - Antibioticoprofilaxia em cirurgia do câncer de cabeça e pescoço

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Antibioticoprofilaxia em cirurgia do câncer de cabeça e pescoço

Antibiotic prophylaxis in head and neck cancer surgery

Rogério Aparecido Dedivitis, André Vicente Guimarães
Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Serviço de Endoscopia Peroral e Digestiva da Santa Casa da Misericórdia de Santos, Brasil

Dedivitis RA, Guimarães AV: Antibiotic prophylaxis in head and neck cancer surgery. Acta Medica Misericordiæ 2000; 3 (1): 28-31

Resumo:

Pacientes submetidos a cirurgia do câncer de cabeça e pescoço beneficiam-se com a antibioticoprofilaxia perioperatória. Devem preocupar-nos principalmente o Staphylococcus aureus e os anaeróbios. O risco de infecção varia dependendo do tipo de cirurgia, do antibiótico usado, da presença de doença concomitante e do estadiamento cervical dos tumores. Analisamos retrospectivamente uma coorte de 56 pacientes submetidos a grande ressecção oncológica potencialmente contaminada de 1994 a 1998. O esquema antibioticoterápico e sua duração foram considerados juntamente com a ocorrência de infecção pós-operatória. Vinte e um pacientes receberam uma combinação de cloranfenicol e cefalexina por sete dias, sendo que 3 (14,3%) apresentaram infecção de parede. Outros trinta e cinco pacientes receberam clindamicina e amicacina durante um dia, não havendo ocorrência de infecção nesse grupo. O uso da associação profilática clindamicina-amicacina mostrou-se eficiente para procedimentos cirúrgicos potencialmente contaminados em cabeça e pescoço.

Descritores: Antibioticoprofilaxia. Neoplasias de cabeça e pescoço. Cirurgia.

Abstract:
Patients who undergo surgery for head and neck cancer benefit from perioperative antibiotic prophylaxis. Staphylococcus aureus and anaerobics are the most common agents. The infection rate varies according to the type of surgery, the antibiotic used, the concomitant diseases and the regional status of the tumor. We analysed retrospectively a cohort of 56 patients who underwent potentially contaminated major oncological surgeries from 1994 to 1998. Antibiotic administration and duration and postoperative wound infection were assessed. Twenty-one patients received chloramphenicol and cefalexine during seven days, wound infection having occured in three (14.3%). Another thirty five patients received clyndamicin and amicacine during one day, no case of infection being noticed in this group. The use of clyndamicin plus amicacine administered prophylatically in potentially contaminated head and neck surgical procedures has been efficient.

Key words: Antibiotic prophylaxis. Head and neck neoplasms. Surgery

INTRODUÇÃO
A flora da cavidade oral ultrapassa a de todas as outras áreas em variedade, número de organismos e potencial patogênico, sendo que o câncer de faringe e laringe interrompe o delicado equilíbrio entre os microrganismos e o hospedeiro favoravelmente àqueles. Além disso, os recursos terapêuticos, cirúrgicos ou não, também favorecem o surgimento de infecção1, 23.

O índice de infecção do sítio cirúrgico em cirurgia limpas é estimado em 5% e o estudo microbiológico mostra em 50% dos casos o Staphyloccocus aureus como agente15,31. Em 156 pacientes submetidos a cirurgia de cabeça e pescoço, 52 apresentaram complicações, sendo 19 infecciosas, 24 não infecciosas e, os 19 restantes,

ambas32. Vários esquemas foram tentados sem sucesso na esterilização da traquéia para redução de pneumonias secundárias a aspiração em pacientes traqueostomizados por poliomielite20.

Os fatores críticos para o aparecimento de infecção são: cirurgia cruenta, com necrose tecidual, espoliação hidro-eletrolítica e proteica, contaminação bacteriana maciça por quebra da técnica asséptica e virulência bacteriana19. Tumores muitos extensos (T4), reconstrução com retalho miocutâneo e erros técnicos associam-se também a infecção pós-operatória, devendo ser evitados6. Assim, boa técnica, suporte nutricional, assepsia e antissepsia são os principais fatores para evitar infecção 19, 31.

Radioterapia pré-operatória eleva a incidência de infecção cirúrgica8, 14, 18, 25, chegando a 21%30. A realização de radioterapia após a cirurgia, a fim de evitar as complicações radioterápicas neoadjuvantes (pré-operatórias) - 45% das quais são graves - obteve êxito significativo9. A reconstrução às custas de retalhos extensos também representa um fator de risco2. Recomenda-se o uso de antibiótico profilático quando houver abertura de cavidade oral, faringe e esôfago superior11.

O uso extensivo de antibioticoterapia profiláxica nos Estados Unidos gerou uma grande preocupação com o surgimento de resistência19, apesar de representar um fator de diminuição de custos hospitalares5.

Comparando-se o uso de diversos antibióticos e de placebos para pacientes com câncer de cabeça e pescoço foram encontradas menos complicações infecciosas nos pacientes tratados4,10,22,28. O uso de ampicilina e carbenicilina tópicos27, ou de gentamicina tópica1, diminuiu a incidência de infecção na ferida cirúrgica após laringectomia. Não foram encontradas diferenças entre cefazolina e moxalactam17. Carbenicilina profilática foi utilizada com sucesso21. Em 77 pacientes, a utilização profilática de cefalosporina (cefazolina) 13 reduziu significativamente as infecções pós-operatórias, a aproximadamente 6%.

Os esquemas profiláticos devem incluir cobertura contra flora oral aeróbica e anaeróbica e S. aureus3. Embora os gram negativos aeróbicos tenham sido os mais freqüentemente isolados, o esquema com clindamicina não se mostrou menos eficaz que com os de amplo espectro.

Não houve diferença significativa entre esquemas curtos, de 1 dia, ou longos, de 2 dias, de uso de moxalactam12, bem como entre administração de cefoperazone por 24 horas e cefotaxima por 5 dias2 e de clindamicina-cefonicida por 1 ou por 3 dias25. A associação de amoxicilina e ácido clavulânico em uso parenteral mostrou-se eficaz24. Em cirurgias não contaminadas, o uso de antibioticoprofilaxia não se mostrou útil16.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram estudados retrospectivamente dois grupos de pacientes submetidos a grandes ressecções de câncer de cabeça e pescoço - tumor primário e esvaziamento cervical uni ou bilateral em monobloco ou dibloco. Analisou-se o surgimento de infecções até o 21o dia pós-operatório.

No primeiro grupo, composto de 21 pacientes, tratados nos anos de 1994 e 1995, com idades variando de 53 a 67 anos, com mediana de 63 anos, sendo 15 do sexo masculino e 6 do feminino, tiveram a seguinte distribuição por sítio primário: boca e orofaringe, 11 pacientes, laringe e hipofaringe, 9 e seio maxilar, 1. O estadiamento clínico estava assim distribuído: 2 pacientes no estádio II, 8 no estádio III e 11 no estádio IV. O esquema profilático utilizado em todos constituiu-se de cefalotina e quemicetina administradas por 7 dias, as primeiras doses sendo dadas à indução anestésica.

No segundo grupo, de 35 pacientes, operados do ano de 1996 a 1998, era composto de 31 homens e 4 mulheres. com idade de 41 a 75 anos e com mediana de 63. Os sítios primários foram: boca e orofaringe, 17; laringe e hipofaringe, 16; e seio maxiliar, 2. O estadiamento clínico foi: 5 pacientes no estádio II, 17 no estádio III, e 13 no estádio IV. O esquema profilático para todos constituiu-se de 4 doses de clindamicina e 2 de amicacina, sendo que as primeiras foram dadas à indução anestésica.

RESULTADOS

No primeiro grupo, houve 3 casos de infecção. Um paciente portador de lesão de estadiamento T4N2bM0 de amígdala, evoluiu com broncopneumonia e óbito no oitavo dia de pós-operatório. Outro, com T4N2cM0 de amígdala, desenvolveu infecção e deiscência ampla dos retalhos, com extensa fístula faringo-cutânea, recebendo, após o sexto dia pós-operatório, ceftriaxona e amicacina, com melhora do quadro infeccioso. Evolução semelhantee apresentou o terceiro paciente, portador de T4N2cM0 de laringe. Assim, 14,3% dos pacientes apresentaram infecções.

No segundo grupo, não houve caso de infecção, conforme registrado até o 21o dia de evolução pós-operatória. Tivemos dois pacientes, portadores, respectivamente de tumores em estádio T4N2cM0 de base de língua e T4N2cM0 de seio piriforme que evoluíram com complicações pulmonares por doença pulmonar obstrutiva crônica, falecendo após a terceira semana de internação em regime de cuidados intensivos, apresentando, na evolução, broncopneumonia e quadro séptico, apesar do uso, em ambos, de cefalosporina de terceira geração e vancomicina.

DISCUSSÃO

A antibioticoprofilaxia deve ser feita corretamente, a fim de que a concentração plasmática do antimicrobiano seja adequada no momento em que se espera que ocorra a inoculação. Assim, deve ser iniciada na indução anestésica e doses suplementares serão administradas no ato cirúrgico, não se prorrogando por mais de 72 horas, à exceção dos casos que envolvam uso de prótese.

Historicamente, passou-se de uma discussão inicial quanto a indicação ou não do uso de antibióticos nas grandes ressecções para câncer de cabeça e pescoço para uma outra discussão: uma vez estabelecido o benefício com seu uso, a questão passou a ser a duração dos esquemas.

O risco de ocorrência de infecção em pacientes com câncer de cabeça e pescoço tem sido correlacionado a fatores do paciente (estado nutricional, alcoolismo), da doença (estadiamento loco-regional) e terapêuticos (duração da cirurgia, tipo da ferida cirúrgica, complexidade do procedimento, uso de retalhos, transfusão de sangue e uso de drenos, sondas nasogástricas e traqueostomias). Os fatores principais são: tipo de cirurgia, escolha do antibiótico, presença de doença concomitante e o estádio N (estadiamento cervical).

O S. aureus e os anaeróbios são os agentes mais preocupantes, recomendando-se a utilização profilática de cloranfenicol, metronidazol e cefazolina, ampicilina e cloxacilina; clindamicina e amicacina ou gentamicina associada a uma cefalosporina de primeira geração. As menores taxas de infecção foram encontradas em duas associações17: gentamicina e clindamicina por 1 e por 5 dias (7 e 4%, respectivamente). Esses achados de bons resultados com a associação clindamicina-aminoglicosídeo foram compatíveis com outras séries29, inclusive em nosso meio7.

Assim, embora as referências mais antigas não exibissem dados estimulantes à profilaxia, embora já reconhecesse a importância das infecções, hoje é consensual a utilização da profilaxia nas cirurgias que coloquem em contato pele e vias aero-digestivas. Deve haver uma profilaxia em cirurgias contaminadas por saliva ou secreção respiratória. Talvez o desânimo demonstrado pelos autores da década de 30 a 60 refletisse a ausência da antimicrobianos eficazes, o que gradualmente se reverteu a partir da década de 70.

CONCLUSÃO

Apesar da pequena casuística, os resultados da antibioticoprofilaxia com associação de clindamicina e amicacina mostrou-se eficaz nos nossos casos.

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OS AUTORES: Rogério Aparecido Dedivitis, responsável pelo Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Endoscopia Peroral e Digestiva da Santa Casa da Misericórdia de Santos, é especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. André Vicente Guimarães, assistente, é especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço.

 

ENDEREÇO/ADDRESS: Rogério A. Dedivitis. Rua Olinto Rodrigues Dantas, 343 conjunto 92, Santos, SP 11050-220, Brasil. Tels. (013) 3221-1514 e 3222-6770. r.dedivitis@bsnet.com.br

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