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, 02 de maio de 2024.
01/06/2000
Volume 3 - Número 1
7 - Uma nova opção cirúrgica para a Síndrome de Romberg

 

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Uma nova opção cirúrgica para a Síndrome de Romberg

A new surgical option for Romberg's Disease

Luiz Alfredo Cardoso, Pitsiqui Mendes de Carvalho, Eliane Miyuki Kohatsu, Karina Torres Cardoso, Karina Villanacci Alves, Thiago de Lima Souza

Do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa da Misericórdia de Santos e da Faculdade de Ciências Médicas de Santos

Cardoso LA, Carvalho PM, Kohatsu EM, Cardoso KT, Alves KV, Souza TL: A new surgical option for Romberg's disease. Acta Medica Misericordiæ 2000; 3 (1): 32-35

Resumo:

A síndrome de Romberg é caracterizada por uma atrofia progressiva e gradativa dos tecidos de uma hemiface, acometendo o tecido subcutâneo, pele e mucosas, com envolvimento tardio de músculos e estruturas osteocartilaginosas. Essa síndrome é cercada de controvérsias e possui numerosos tratamentos. Os autores fazem uma breve revisão da literatura e apresentam um caso em que a paciente se submeteu a um enxerto dermo-gorduroso dobrado sobre si, de modo que a gordura ficasse justaposta, para a correção estética da face.

Descritores : Hemiatrofia facial. Transplante de pele.

Abstract:

Romberg's disease is characterized by a progressive and gradative atrophy of the tissues of a hemiface, affecting the subcutaneous tissues, skin and mucosa, with a later involvement of the muscles and osteocartilaginous framework. The syndrome is sorrrounded by controversies and numerous treatments have been used. The authors make a short review of the literature and present a case where the patient underwent a dermal-fat graft bent on itself, so that the fat was juxtaposed, for the aesthetic correction of the face.

Key words : Facial hemiatrophy. Skin transplantation.

Introdução:
As características clínicas da Síndrome de Romberg consistem basicamente na atrofia progressiva e gradativa dos tecidos de uma hemiface, acometendo o tecido subcutâneo, pele e mucosas, com tardio envolvimento de músculos e estruturas osteocartilaginosas, geralmente iniciando pela região frontal ou malar unilateral 1,2,5,6,7,8 .

A evolução da síndrome é auto-limitada, tendo um período de dois a dez anos. No entanto, alguns raros casos persistem por períodos maiores e outros se extinguem nos primeiros estágios 2,5 . O comprometimento dentário pode ajudar a determinar o início e duração da síndrome 6 , assim como os sinais encontrados nos tecidos moles da face.

Fatores infecciosos, traumáticos (24% a 34%) 1 , vasculares, neoplásicos ou heredodegenerativos 5,6,8 podem ser etiológicos ou predisponentes.

O tratamento baseia-se nas correções sintomáticas dos demais acometimentos e na reparação estética da face. Para tanto há diversas técnicas, entre elas, implante de silicone, enxerto de tecido adiposo, enxerto dermo-gorduroso, transplante livre dermo-gorduroso, associação de enxertos de gordura aspirada , PTFE-E (propil-tetra-fluoretileno) e Medpor® e outras, demonstrando que ainda há uma insatisfação nos resultados. Porém, há também a possibilidade de escolha do método mais adequado para a situação apresentada pelo paciente.

Material e Método

Nosso caso consiste na descrição de uma paciente de 31 anos, branca, natural da Bahia, morando em Santos há 18 anos, que procurou o Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa da Misericórdia de Santos para corrigir a deformidade da hemiface direita.

Referia que, por volta dos 4 anos de idade, os pais notaram que o lado direito da face começara a murchar ( sic ). Essa atrofia foi precedida de uma infecção dentária na região dos molares inferiores do lado direito. O processo inflamatório foi extenso, atingindo toda a região mandibular, maxilar e periorbitária direita, sendo perceptível externamente. A regressão do quadro inflamatório foi acompanhada da atrofia da hemiface. Com a melhora do quadro infecioso, a atrofia estabilizou-se, não notando evolução do quadro posteriormente. Não houve trauma ou qualquer outro acontecimento que pudesse entrar na explicação da gênese da síndrome. Nega distúrbios de visão, endocrinológicos, neurológicos, secretórios ou psicológicos. Não há casos semelhantes na família ou no meio em que vivia. Ao exame físico, havia assimetria facial moderada, com o coup de sabre característico; mento desnivelado, rima labial desviada para cima e para trás, atrofia do tecido subcutâneo e da musculatura mastigatória e da mímica (Fig.6, 7 e 8). Indicou-se a cirurgia para a correção estética da face, posto que o quadro não estava evoluindo e as funções fisiológicas estavam preservadas.

Técnica

A paciente foi operada em decúbito dorsal horizontal sob anestesia geral inalatória com intubação orotraqueal. Realizou-se uma incisão pré-auricular e temporal, dissecando-se a pele dos tecidos subjacentes à maneira de uma ritidoplastia, seguida então de

hemostasia da loja para receber o enxerto.

Uma elipse de pele e tecido subcutâneo previamente demarcada na região supra púbica, medindo aproximadamente 20 x 6 cm e com espessura de 1,5 cm foi desepitelizada (Figs. 1 e 2). Foi então retirada e dobrada sobre o seu maior eixo, de modo que a gordura ficasse justaposta (Figs. 3 e 4).

O enxerto foi distribuído no seu leito receptor, mantido com sutura transfixante (fio mononylon 3-0) e exteriorizada na região temporal (Fig. 5). Foram efetuados todos os detalhes de assepsia e antissepsia, hemostasia e manuseio do tecido enxertado, melhorando a sobrevida das células gordurosas. As áreas doadoras e receptoras foram fechadas por planos com Monocryl 4-0 e Mononylon 6-0.

O curativo, do tipo oclusivo ligeiramente compressivo, foi trocado após 24 horas, quando observou-se boa vitalidade da pele da hemiface direita e discreto edema. Após esse procedimento, continuou-se a troca dos curativos a cada 2 dias até a retirada total dos pontos, que ocorreu no 10° dia pós-operátório. Os mesmos cuidados foram seguidos em relação à área doadora. A paciente recebeu alta após a retirada dos pontos.

No pós-operatório a paciente não apresentou queixas ou complicações. Após três meses, algumas áreas necessitaram de injeção de gordura, retirada da parte súpero-medial da articulação do joelho e da face lateral do abdomen. Três aplicações com aproximadamente 30 ml de gordura foram feitas a intervalos de três meses.

 

 
Figura 1. A técnica cirúrgica. (A) Demarcarção da elipse na região supra-púbica (B) Desepitelização do enxerto. (C) Retirada do enxerto desepitelizado. (D) Preparação do enxerto justapondo a gordura e exteriorizando a derme. (E) Introdução do enxerto no leito previamente preparado.

 

Resultados

A paciente não apresentou complicações inerentes ao ato cirúrgico, como infecção ou desconforto maior. A recuperação foi rápida em comparação a outras técnicas, não ocorrendo deslocamento do enxerto sob a face, pois segundo Harashina, o efeito gravitacional é um dos maiores problemas nessa situação 3 . Após três meses, com a diminuição do edema, foi necessária a correção de pequenas áreas que ainda estavam assimétricas por meio de injeções de gordura. Esse acompanhamento durou quase um ano, não sendo necessário mais intervenções após esse período. Ver figuras 9 , 10 e 11 (pós operatório de 6 anos).

 

Fig. 2. Atrofia da hemiface antes da cirurgia.
     
Fig. 3. Seis anos após a cirurgia.

 

Discussão

Os enxertos para o tratamento de deformidades da face são alvos de muitas especulações, sendo bem indicados em ocasiões onde há uma perda moderada de tecido. Porém, é sabido que pode haver absorção parcial da gordura, notadamente maior na síndrome de Romberg 4,7 .

A utilização de retalhos pediculados, omento e pele desepitelizada está indicada em largas deformidades 4,8 , entretanto, também apresenta seus inconvenientes, pois estes são longos e resultam em cicatrizes adicionais.

Outros métodos de correção surgiram, como a utilização de silicone líquido, tendo maus resultados devido à perda de textura e localização durante a evolução além de absorção no organismo produzindo reações inflamatórias em outros órgãos 7 .

A evolução a longo prazo, descrito na literatura, de pacientes que se submeteram ao uso de tecido autógeno para a correção de deformidades da face, é preferível à implante sintético, pois apresentaram textura, contorno e expressões faciais mais naturais 4 .

O enxerto dermo-gorduroso é atualmente bem aceito, tendo muitas vantagens sobre outros tipos de enxerto 4,7 , não somente fornecendo o volume necessário previsto, mas também uma boa textura e aparência, importantes particularmente quando sujeito à dinâmica dos músculos da expressão facial 4 . A absorção é de somente 20%. A parte dérmica proporciona maior relação enxerto-leito receptor, oferecendo a oportunidade de maior irrigação sangüínea com menor absorção de gordura. 7

A associação das vantagens descritas na literatura levou os autores a experimentar a dobradura do enxerto dermo-gorduroso de modo que a derme ficasse para o lado externo, tornando-o mais espesso, prevenindo a absorção gordurosa, permitindo maior vascularização, melhorando o contorno e a textura facial, além de diminuir o atrito sobre o tecido adiposo, evitando traumas, que levam à maior absorção.

REFERÊNCIAS
1. Bracaglia R, et al: Aesthetic treatment of Romberg's disease with multiple implants of fragmented GORE-TEX Ò soft tissue patch. Br. J. Plast.Surg. 1998 ; 51:144-147.

2. Corrêa WE, Garofalo F, Pitanguy I: Tratamento da Síndrome de Romberg com associação do enxerto de gordura aspirada, PTFE-E e MEDPOR. Rev. Bras. Cir. 1997; 87:131-138.

3. Harashina T, Fujino T: Reconstrution in Romberg disease with free groin flap. Annals of Plast Surg. 1981 ; 7: 289.

4. Leaf N, Zarem HA: Corretion of contour defects of the face with dermal and dermal-fat grafts. Arch Surg 1972 ; 105: 715-719.

5. Mazzeo N, et al: Progressive hemifacial atrophy (Parry - Romberg syndrome): Case Report . Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1995 ; 79: 30-35.

6. Sato T, et al: Hemiatrofia facial progressiva: atualização. Neurobiol 1985 ; 48: 217-226.

7. Spina V, Ferreira MC, Psillakis JM: Enxerto dermogorduroso na reparação de deformidades faciais. Rev Paul Med. 1972 ; 80:19-22.

8. Wells JH, Edgerton MT: Correction of severe hemifacial atrophy with a free dermis-fat flap from lower abdomen. Plast & Reconstr Surg 1977 ; 59: 223-229.

 

OS AUTORES:
Luiz Alfredo Cardoso é médico assistente do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa da Misericórdia de Santos e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Pitsiqui Mendes de Carvalho é médica estagiária do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa da Misericórdia de Santos. Eliane Miyuki Kohatsu, Karina Torres Cardoso, Karina Villanacci Alves e Thiago de Lima Souza são acadêmicos da Faculdade de Ciências Médicas de Santos.

 

ENDEREÇO/ADDRESS:
Clínica de Cirurgia Plástica Dr.Luiz Alfredo Cardoso, Av . Ana Costa , 221 conj. 62, Bairro Encruzilhada, Santos, Estado de São Paulo, CEP 11060-001, Brasil. Tel:(13)3235-3538. E-mail: lacard@uol.com.br

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