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, 02 de maio de 2024.
01/06/2000
Volume 3 - Número 1
8 - Validade da endarterectomia de carótida em pacientes acima de 60 anos de idade

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Validade da endarterectomia de carótida em pacientes acima de 60 anos de idade

Value of carotid endarterectomy in patients aged over 60 years

Carlos Henrique de Alvarenga Bernardes, Fernando Augusto Coimbra Regis

Serviço de Cirurgia Vascular da Santa Casa da Misericórdia de Santos e Disciplina de Cirurgia Vascular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos

Bernardes CHA, Regis FAC: Value of carotid endarterectomy in patients aged over 60 years. Acta Medica Misericordiæ 2000; 3 (1): 36-39

Resumo:

O presente trabalho tem a finalidade de mostrar a importância da endarterectomia de carótida em pacientes acima de 60 anos, levando em conta a melhora clínica apresentada e o retorno às atividades sociais, antes dificultadas. Estudamos 19 pacientes com idade média de 67 anos, sendo 17 homens e 2 mulheres, todos com queixas que impediam ou restringiam suas atividades normais. Sob anestesia geral, realizamos a endarterectomia, utilizando retalho de Dacron para o reparo. A mortalidade operatória foi zero. Dezessete pacientes (89,47%) obtiveram melhora excelente, com remissão total dos sintomas e 2 pacientes (10,52%) obtiveram melhora considerada boa devido permanência de cefaléia e tontura. Como complicações ocorreram 3 casos de hematoma na incisão cirúrgica, 2 casos de dor local na incisão e 1 caso de monoparesia, todos porém com resolução satisfatória. Concluímos que a operação realizada em pacientes acima de 60 anos obtém bom resultado após o procedimento operatório da carótida, evitando desta forma o acidente vascular cerebral permanente.

Descritores: Artérias carótidas. Endarterectomia da carótida. Aterosclerose.

Summary:

This work is intended to show the importance of carotid endarterectomy in patients above 60 years of age, with clinical improvement and return to the the social activties which were difficult before. We studied 19 patients with the mean age of 67 years, 17 men and two women, all showing problems that turned difficult their normal activities. Under general anesthesia, we performed endarterectomy, using a Dacron patch for repair. The operative mortality was zero. Seventeen patients (89.47%) showed excellent improvement, with total remission of. the symptoms and two patients (10.52%) had a good improvement because of persistent headache and vertigo.. The complications were three cases of. local hematomas, two cases with pain in the line of incision and one with monoparesia, all followed by good resolution. We conclude that the operation performed in patients above 60 years old had good results after carotid surgery, avoiding cerebrovascular accident.

Key Words: Carotid arteries. Carotid endarterectomy. Atherosclerosis.

INTRODUÇÃO

O cérebro humano é um dos órgãos de menor tolerância a isquemia, por isso os processos obliterantes das artérias carótidas, que são responsáveis por sua irrigação, são de fundamental importância para a vida e a qualidade laborativa e as atividades sociais da população em geral.

Nos últimos anos tem havido um aumento na freqüência das doenças cérebro-vasculares nos países desenvolvidos. Atualmente é a terceira causa de óbito, sendo superado apenas pelas doenças cardiovasculares e o câncer. Essas estatísticas se tornam mais sombrias na 6ª, 7ª e 8ª décadas, onde ocupa o segundo lugar, perdendo apenas para o câncer8.

Hoje, sabe-se que de 20 a 30% das manifestações clínicas relacionadas a irrigação cerebral são causadas por obstáculos da via circulatória extra-craniana5, sendo que 80% destes são passíveis de correção cirúrgica.

Além das taxas de mortalidade, as de morbidade também aumentam em relação a idade. Segundo Vollmar, apenas 10,4% dos pacientes envolvidos com infarto cerebral poderão voltar ao trabalho. Sem contar com as inúmeras conseqüências que essa entidade pode acarretar do ponto de vista social e familiar, tendo em vista que várias funções cerebrais podem ser atingidas, como a comunicação, a compreensão, paralisia, perda da sensibilidade, mudanças de personalidade, distúrbios visuais, labilidade emocional que podem se apresentar de forma isolada ou associada.

Esse trabalho pretende mostrar nossa experiência e demonstrar que, mesmo em pacientes com idade avançada, os riscos cirúrgicos são infinitamente menores do que as conseqüências do infarto cerebral.

MATERIAL E MÉTODO

O trabalho foi realizado no Serviço de Cirurgia Vascular da Santa Casa da Misericórdia de Santos, em conjunto com a Disciplina de Cirurgia Vascular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, no período de fevereiro de 1995 a fevereiro de 1997. Foram realizadas 22 endarterectomias em 19 pacientes, sendo 17 do sexo masculino e 2 do sexo feminino. A idade média foi de 67,5 anos, variando de 59 a 75 anos. Quinze (78,94%) apresentavam lesão unilateral, 7 com lesão à direita (36,84%) e 8 com lesão à esquerda (42,10%), e 4 pacientes lesão bilateral (21,06%). A raça dominante neste estudo foi a branca com 94,3%. Verificar tabela 1.

Todos os pacientes eram sintomáticos, e as queixas eram variadas como mostra a tabela 2.

O diagnóstico foi realizado pela ultra-sonografia Doppler com Duplex Scan em todo os casos sendo ainda utilizada a arteriografia em 3 pacientes com dúvida diagnostica, onde comprovou o resultado do Duplex.

A freqüência dos fatores de risco no grupo estudado está demonstrada na tabela 3.

Todos os pacientes foram monitorizados e instalado pressão arterial média. A anestesia geral inalatória, foi utilizada em todos os pacientes.

A técnica cirúrgica utilizada foi a endarterectomia sem a utilização de shunt, porém com uso rotineiro de patch de dacron para o reparo. Foi realizada anticoagulação intra operatória padrão e antibioticoterapia profilática com Cefalosporina de 3ª geração. O tempo de internação variou de 3 a 6 dias.

RESULTADOS
Não houve caso fatal neste grupo. Tivemos 3 casos de hematoma na incisão cirúrgica (15,78%), 2 casos de dor local na incisão (10,52%) e 1 caso de monoparesia (5,26%), porém todos com resolução satisfatória e sem seqüelas.

Do ponto de vista clínico houve remissão completa dos sintomas em 17 pacientes (89,47%), sendo que houve permanência de cefaléia leve em 1 paciente (5,26%) e tontura em outro paciente (5,26%), que podem estar relacionados com a hipertensão de base, mas que não os impediam de realizar suas atividades normais.

DISCUSSÃO
Observamos neste estudo clínico que a idade média atingida foi de 67,5 anos, em 78,9% eram pacientes com lesão unilateral, a raça branca predominou com 94,3%.

Roques et cols.(1991) e Coyle et cols.(1994) verificaram que a idade cronológica do paciente de 75 ou 80 anos não impedia a indicação da endarterectomia de carótida e para os seus bons resultados, coincidindo com o nosso trabalho.

Todos os pacientes eram sintomáticos e constatamos que os sintomas apresentados pelos nossos pacientes com maior freqüência foram os de tontura e cefaléia, 68,4% e 42,1%, respectivamente. Verificamos que nos trabalhos de outros autores como Vollmar (1975), Hoffman e cols. (1993) e Coyle e cols.(1994), os sintomas que também predominavam em seus pacientes eram semelhantes aos nossos.

Como fator de risco, notamos que a hipertensão arterial estava presente em 63,1% dos nossos pacientes, além de dislipidemia (42,1%), coronariopatia (36,8%), diabete melito (31,5%) e tabagismo (21%).

Todos os fatores de risco são importantes na instalação da doença degenerativa na artéria carótida, mas a hipertensão arterial tem uma agravante pois pode provocar solução de continuidade no endotélio da artéria e acelerar o processo arteriosclerótico em menor tempo que os outros fatores de risco.

No trabalho de Aurahma e cols. (1994) podemos verificar que a re-estenose encontrada na artéria carótida é ocasionada pelo mal controle dos fatores de risco, principalmente da hipertensão arterial.

O diagnóstico do tamanho da lesão e sua localização na artéria carótida foi realizado na maioria das vezes com ecodoppler colorido com técnica confiável e, se necessário, angiografia.

A eficiência do exame com ecografia Doppler é constatado no trabalho de Tedesco e cols. (1995). Tedesco e cols. (1999) descrevem os bons resultados obtidos nos pacientes assintomáticos portadores de estenose superior a 70% ou com placa ulcerada na artéria carótida interna submetidos a operação de reparação arterial.

A técnica operatória utilizada por nós foi anestesia geral sob monitorização intra-operatória para evitar queda de pressão arterial e diminuição de oxigenação cerebral, e não utilizamos "shunt" durante a endarterectomia carotidiana. Esta técnica coincide com as utilizadas por Boontje (1994) e Little et cols.(1997) mostrando sua boa utilidade neste procedimento operatório.

Colocamos "patch" em todas as revascularizações carotidianas coincidindo com o método cirúrgico utilizado por Perler et cols. (1995), e constatamos que a diminuição da luz da artéria é bem menor com este método terapêutico.

Não ocorreu qualquer óbito nesta nossa casuística e como morbidade pós-operatória tivemos hematomas em 3 casos (15,7%), dor local da incisão em dois e monoparesia em um, que foram adequadamente controlados.

Podemos afirmar que o método operatório de endarterectomia carotídea em pacientes sexagenários ou de maiores idades obtém sobrevida melhores após este nosso estudo e da literatura, com os trabalhos de Pedrini et cols.(1991), Flecha et cols. (1993), Aune et cols. (1997). Pois esses pacientes sem a operação da reparação arterial carotídea podem apresentar o acidente vascular cerebral permanente com invalidez irreversível e gasto fisioterápico e medicamentoso.

 

Tabela 1: CASUÍSTICA
 
NOME
IDADE
SEXO
RAÇA

% OBSTRUÇÃO

O.C.S
75
Masc.
Branca
70 D
J.E.S.
74
Masc.
Parda
75 D
J.F.V.
69
Masc.
Branca
70 D
J.S.
73
Masc.
Branca
70 D
J.P.T.
72
Masc.
Branca
70 E
I.B.
68
Masc.
Branca
75 E
C.P.S.
59
Masc.
Branca
80 E
A.P.
70
Masc.
Branca
75 E
D.F.V.
58
Masc.
Branca
75 E
A.A.
64
Masc.
Branca
75 E 80 D
L.S.
67
Masc.
Branca
100 D 60 E
J.C.C.
60
Masc.
Branca
75 D
C.S.D.
68
Fem.
Branca
90 E
M.M.S.S.
65
Fem.
Branca
90 D
N.P.
65
Masc.
Branca
75 E
R.P.
67
Masc.
Branca
90 E
A.C.
65
Masc.
Branca
75 D
S.A.
68
Masc.
Branca
90 E 75 D
N.F.G.
65
Masc.
Branca
80 D 60 E

 

Tabela 2: SINTOMAS E SINAIS
 
 

Nº DE CASOS

%

 
Tonturas
13
68,42
Cefaléia
08
42,10
Lesão isquêmica cerebral
permanente
02
10,52
Disartria
01
5,26
Alterações visuais
04
21,05
Parestesias
02
10,52
Sopro sistólico carotídeo
08
42,10

 

Tabela 3: FATORES DE RISCO

 

 
Nº DE CASOS
%
 
Hipertensão
12
63,15
Dislipidemia
08
42,10
Coronariopatia
07
36,84
Diabete melito
06
31,57
Tabagismo
04
21,05

 

CONCLUSÃO

Como vimos a doença cerebro-vascular extra-craniana é responsável por inúmeras e lesivas conseqüências em seus portadores, e grande parte delas podem ser evitadas com o tratamento cirúrgico. Este estudo, que ainda deve ser ampliado, já demonstra que apesar dos fatores de risco, entre eles a idade avançada, a endarterectomia de carótida é um tratamento seguro com baixo índice de morbidade e mortalidade, e que consegue reduzir bruscamente a incidência de infarto cerebral bem como melhorar as condições clínicas apresentadas no pré-operatório.

REFERÊNCIAS
1. Aburahma AF, Snodgrass KR, Robinson PA et al.: Safety and durability of redo carotid endarterectomy for recurrent carotid artery stenosis. Am J Surg 1994; 168:175-8.

2. Aune S, Amundsen SR, Trippestad A: Early morbidity and patherns of. survival after carotid endarterectomy. Enc J Surg 1997; 163: 101-5.

3. Boontje AH: Carotid Endarterectomy without a temporary indwelling shunt: results and analysis of. back pressure measurements. Cardiovasc Surg 1994; 2: 549-54.

4. Coyle KA, Smith RB, Salam AA, et al.: Carotid Endarterectomy in the octogenarian. A Vasc Surg1994; 8:417-20.

5. Fields WS: Selection of. stroke patients for arterial reconstructive surgery. Am J Surg 1973; 125:527.

6. Hoffman A, Schwiger H: Langenbeeks. Carotid Endarterectomy in the eldery patient. Life table analysis and review of the literature based on 594 consecutive operations. Arch Chir 1993; 378: 297-303.

7. Little NS, Meyer FB: Carotid Endarterectomy indications, techniques, and Mayo Clinic experience. Neurol Med Chir 1997; 37:227-35.

8. Moore WS, Quinõnes-Baldrich WJ: Historical Review. In Moore WS: Vascular Surgery - A Comprehensive Review, 2ª ed., Grune & Stratton, Inc, Orlando, Flórida, 1986; pp 621-622.

9. Pedrini L, Paragona O, Pisano E, et al: Morbility and mortality following carotid surgery. J Cardiovasc Surg 1991 32: 720-775.

10. Perler BA, Ursin F, Shanks U, et al: Carotid Dacron patch angioplasty: Imediate and long-term results of a prospective series. Cardiovasc Surg 1995; 3:631-636.

11.Plecha EJ, King TA, Pitluk HC et al: Risk assessment in patients undergoing carotid endarterectomy. Cardiovasc Surg 1993, 1:.30-32.

12. Roques XF, Bandet EM, Clerc F: Results of carotid endarterectomy in patients 75 years of age and older. J Cardiovasc Surg 1991, 32: 726-731.

13. Tedesco MN, Napoli F, Sapienza P et al: Carotid Tromboendarterectomy: Personal experience and review of the literature. Amm Ital Chir 1995; 66:. 313-318.

14.Vollmar J: Cirurgia Reparadora de las Arterias, 2ª ed., Ediciones Toray, Barcelona, 1975, 320-352.

 

OS AUTORES:
C. H. A. Bernardes é professor titular de Cirurgia Vascular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos do Centro Universitário Lusíada, doutor em Técnica Operatória em Cirurgia Experimental pela Escola Paulista de Medicina, chefe do Serviço de Cirurgia Vascular da Santa Casa da Misericórdia de Santos e membro titular da Soc. Bras. Cirurgia Vascular. F. A. C. Regis é médico credenciado do Serviço de Cirurgia Vascular da S.C.M.S..

 

ENDEREÇO/ADDRESS: Dr. Carlos Henrique de Alvarenga Bernardes, Rua Luiz Suplicy, nº 73, cj.1, Gonzaga, Santos, SP, CEP 11055-330, Brasil. Telefone (13) 234-9523. Telefax: (13) 232-3587.

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