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, 17 de maio de 2024.
06/06/2006
Volume 3 - Número 2
5- Síndrome de Ramsay Hunt: relato de caso

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Síndrome de Ramsay Hunt: relato de caso

Ramsay Hunt syndrome: case report

MYRIAN MARAJÓ DAL SECCHI, RODRIGO GUIZARDI DE SOUZA BASTOS, CRISTINA MARIS JORGE FINAMORI, LARA BENTO COELHO, MICHELLA CHRISTINE LOPES CHAYAMITI
Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa da Misericórdia de Santos.

Dal Secchi MM, Bastos RGS, Finamori CMJ, Coelho LB, Chaymiti MCL: Ramsay Hunt syndrome: case report. Acta Medica Misericordiæ 2000; 3(2): 65-67

Resumo:

A síndrome de Ramsay Hunt caracteriza-se por paralisia facial periférica e erupções vesiculosas no pavilhão auricular causadas pelo vírus do herpes zoster. O diagnóstico precoce é importante. Esta síndrome ocorre geralmente em idosos e imunodeprimidos. Relatamos o caso de um paciente de 24 anos de idade, que recebeu tratamento com aciclovir, obtendo melhora satisfatória dos sinais e sintomas em aproximadamente dois meses. Aspectos clínicos, diagnóstico e tratamento são comentados.

Descritores: Herpes zoster do ouvido externo. Nervo facial. Paralisia facial.

Summary:

Ramsay Hunt syndrome is distinguished by peripheral facial palsy and vesicle eruptions in the external ear due to herpes zoster virus infection. Early diagnosis is important. The syndrome commonly affects elderly and immunodepressed patients. We report the case of a 24 year-old male patient who was treated with oral acyclovir for ten days, and who showed a progressive improvement in his clinical status in aproximately two months. Clinical aspects, diagnosis and treatment are discussed.

Key words: Herpes zoster oticus. Facial nerve. Facial paralysis.

Introdução

O nervo facial, VII craniano, é um nervo misto com origem no soalho do IV ventrículo, passando pela região ponto cerebelar e, ao atingir o meato acústico interno, penetra no osso temporal, onde percorre um trajeto de aproximadamente 35 mm5,8, emitindo três ramos principais para as glândulas lacrimais (nervo petroso superficial maior), músculo estapédio (nervo estápedico) e gustação dos dois terços anteriores da língua (nervo corda do tímpano)5,8. Ao emergir na face pelo forame estilomastoídeo, fornece ramos sensitivos para o meato acústico externo, pavilhão da orelha e ramos motores para os músculos da mímica facial5.

As paralisias faciais otogênicas decorrem de diversas etiologias, dentre elas destacam-se as traumáticas, infecciosas, neoplásicas, vasculares e as idiopáticas de Bell8,10. A infecção do nervo facial pelo herpes zoster, cujas manifestações clínicas denomina-se síndrome de Ramsay Hunt, caracteriza-se por paralisia facial periférica e erupções vesiculosas no pavilhão auricular. Vertigem, tinnitus e disacusia neurossensorial podem estar presentes. É incomum na infância e apresenta sua incidência crescente conforme a idade: 2 a 3/1000 em jovens, 5,1/1000 na 6ª década e 10/1000 acima da 7ª década. É freqüente nos pacientes imunosuprimidos, como nos casos de doença de Hodgkin, AIDS, uso de fármacos citotóxicos e corticoterapia2,6,9.

O diagnóstico é basicamente clínico e, nos casos duvidosos, pode-se recorrer as provas sorológicas3,11. É importante a avaliação do lacrimejamento através do teste de Shirmer, do reflexo estapediano pela impedanciometria e, finalmente, a gustometria da porção anterior da língua, para a obtenção do topodiagnóstico da lesão do nervo facial5,7,8 .

RELATO DE CASO

Paciente de 24 anos, sexo masculino, estudante, apresentando quadro de otalgia esquerda intensa há 5 dias. Há 3 dias relata paresia de hemiface esquerda associada com tontura, náuseas e zumbido. História pregressa sem nada digno de nota. Orofaringoscopia e rinoscopia anterior sem alterações. Otoscopia direita sem alterações. À otoscopia esquerda, presença de pequenas vesículas e crostas na concha auricular e conduto auditivo externo (fig. 1). Membrana timpânica íntegra, sem sinais inflamatórios.

À avaliação neurológica, consciente e orientado, pupilas isocóricas e fotorreagentes, paresia de hemiface esquerda, com desvio de rima labial à direita e fechamento parcial da pálpebra esquerda (fig. 2). Prova de Romberg com lateropulsão à esquerda. Ausência de nistagmo. Hipolacrimejamento à esquerda. Diminuição da sensibilidade gustativa na porção anterior da língua. Demais nervos cranianos sem alterações. Exame oftalmológico sem alterações.

A audiometria e impendanciometria revelaram disacusia neurosensorial leve a esquerda, curva tipo A, reflexos estapedianos presentes, sugestivo de recrutamento e boa discriminação.

O tratamento consistiu de aciclovir 400 mg a cada 8 horas durante 10 dias; cinarizina, 75mg ao dia; analgésicos, gotas oculares lubrificantes e fisioterapia motora facial.

No terceiro dia de tratamento, relatou hipoacusia esquerda. Foi realizada uma segunda audiometria que constatou disacusia neurossensorial moderada. Evoluiu satisfatoriamente, com regressão total da vertigem e zumbido em 3 semanas e da paralisia facial em 8 semanas aproximadamente, porém sem recuperação do déficit auditivo (fig.3).

DISCUSSÃO

O caso relatado trata-se de síndrome de Ramsay Hunt, cuja sintomatologia decorre da reação inflamatória aguda do nervo facial e vestíbulo-coclear causada pelo vírus do herpes zoster, com paralisia facial periférica, hipolacrimejamento, alteração do reflexo estapediano, diminuição da sensibilidade gustativa na porção anterior da língua, erupções vesiculosas no pavilhão auricular e perda auditiva neurossensorial, zumbidos e vertigem. O vírus do herpes zoster apresenta tropismo por tecido ganglionar causando intensa reação inflamatória. O prognóstico nestes pacientes costuma ser menos favorável em relação aos casos de paralisia facial idiopática3,13. Além do diagnóstico precoce, a boa evolução deste paciente pode ser explicada pela sua idade e bom estado imunológico.

O tratamento clínico da síndrome de Ramsay Hunt é controverso. Alguns autores preconizam terapia puramente sintomática com antivertiginosos, analgésicos e gotas oculares lubrificantes11. Outros, uma corticoterapia breve para diminuir a reação inflamatória, bem como a incidência de dor pós- herpética5,9. Atualmente, muitos autores preconizam o uso de aciclovir, um derivado guanosínico com elevada especificidade para este vírus, e que pode ser usado de forma tópica, oral e endovenosa, segundo a intensidade dos sintomas2,6,10,12. A dose recomendada varia de 1 a 4 gramas diários, sendo a administração endovenosa reservada para pacientes mais graves, imunocomprometidos ou com doença disseminada2,5. Nos casos de má evolução, sem melhora ou evolução desfavorável em 9 semanas, confirmados por eletroneurografia e ressonância nuclear magnética, pode-se recorrer a intervenção cirúrgica para descompressão do nervo facial 5,7,13.

É importante destacar a importância do diagnóstico precoce, bem como o acompanhamento de sua evolução, a fim de detectar possíveis complicações neurológicas, especialmente em pacientes idosos e imunocomprometidos, como dor pós herpética, sincinesias, oftalmopatias e outras menos freqüentes como mielite segmentar e encefalite2,4,9.

 

 
Fig. 1. Vesículas e crostas na concha auricular esquerda. .. Fig. 2. Paralisia facial periférica esquerda. .. Fig. 3. Paralisia facial periférica após oito semanas de evolução.

 

Conclusão

O tratamento das paralisias faciais deve incluir a eliminação dos fatores desencadeantes quando possíveis, uso de medicação sintomática para vertigem e zumbido e gotas oculares lubrificantes. Atualmente, o aciclovir mostra-se como uma boa opção terapêutica nas infecções herpéticas, em doses que variam de 1 a 4 gramas diários, entre 7 a 10 dias de tratamento.

O acompanhamento destes pacientes até a regressão dos sinais e sintomas é fundamental para detecção precoce das complicações neurológicas. As paralisias faciais periféricas independentemente de suas etiologias, merecem uma abordagem multiprofissional, envolvendo otorrinolaringologistas, neurologistas, oftalmologistas e fisioterapeutas, além de um adequado apoio psicológico.

REFERÊNCIAS

1. Alberto R, Herrera S, Cervilla O: Paralisis facial por herpes zoster. Ver. Otorrinolaringologia y Cirurgia de Cabeza y Cuello 1990; 50:17-123.

2. Ali RR: Ramsay Hunt syndrome. A chalenging herpes zoster virus infection. Geriatrics 1998: 53:93-102.

3. Asnis DS, Micic L, Graccio D: Ramsay Hunt syndrome presenting as a cranial polyneuropathy. Cutis 1996; 57:421-424.

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5. Bento RF, Miniti A, Marrone SAM: Doenças do nervo facial.Tratado de otologia. São Paulo: EDUSP, 1ª ed., 1998, cap. 11, pp. 427-452.

6. Cecil: Tratado de medicina interna. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 19ª ed, 1992, vol.2: cap. 23, pp. 2229- 2231.

7. Costa SS, Cruz OLM, Oliveira JAA: Otorrinolaringologia: Princípios e Práticas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1ª ed, 1994, cap. 17-18, p. 193-209.

8. Hungria H: Otorrinolaringologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 5ª ed, 1984, cap. 39, pp. 343-364.

9. Johnson KB, et al: Ramsay Hunt syndrome in a patient infected with human immunodeficiency virus. Correspondence Clinical Infections Diseases 1996; 22:1128-1129.

10. Kwo MJ et al: Early diagnosis and treatment of Ramsay Hunt syndrome: The role of magnetic resonance imaging. The Journal of Laryngology e Otology 1995; 109:777-780.

11. Miyashiro M, Mori MT, Cruz OLM: Herpes zoster oticus. Apresentação de dois casos. A Folha Médica 1998; 96:107-108.

12. Rang HP, Dali MM, Ritter JM: Farmacologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 3ª ed, 1997, cap. 38, p.595-597.

13. Testa JRG et al: Herpes zoster oticus e paralisia facial. Ver. Acta AWHO 1992; 11: 16-18.

 

OS AUTORES: M. M. Dal Secchi é médica assistente do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa da Misericórdia de Santos. R. G. S. Bastos, C. M. J. Finamori, L. B. Coelho e M. C. L. Chayamiti são médicos estagiários do Serviço de Otorrinolaringologia da SCMS

 

ENDEREÇO/ADDRESS:
D
ra. Myrian Marajó Dal Secchi, Serviço de Otorrinolaringologia, Santa Casa da Misericórdia de Santos, Avenida Dr. Cláudio Luiz da Costa, 50. Santos, SP CEP 11075-900, BRASIL.

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